BLOG ORLANDO TAMBOSI
Tal como em 1974 fomos conduzidos a um beco sem saída. Não existem forças endógenas para realizar a mudança necessária. A Europa e os seus generosos fundos continuarão a manter o país ligado à máquina. Jorge Fernandes para o Observador:
Nem
toda a gente da minha geração é tão privilegiada como eu. Tenho noção
disso e não o nego. Graças ao meu contexto familiar, cresci e vivi
sempre de forma bastante desafogada, o que me permitiu preocupar-me
sempre com as coisas do espírito, uma vez que a parte material estava
plenamente assegurada. Vivi em cinco países diferentes ao longo dos
últimos treze anos. Tive a felicidade de doutorar-me no estrangeiro e
aprender um sem fim de coisas com professores e colegas. Para além
disso, tenho ainda o privilégio de ter acesso aos jornais e conseguir
fazer ouvir a minha voz. Hoje conto aqui a história de como saí de
Portugal para estudar, voltei numa tentativa vã de viver no país que me
viu nascer e onde cresci, e agora estou de partida definitiva para a
emigração.
Quando
saí de Portugal em 2009, apesar de vivermos numa crise profunda, numa
mistura explosiva entre o contexto internacional e erros políticos e
económicos sucessivos acumulados ao longo de anos, tinha ainda uma
expectativa de regressar e estabelecer-me em Portugal uns anos depois.
Em 2014, terminado o doutoramento no Instituto Universitário Europeu de
Florença, não consegui voltar. Falhei no concurso da FCT. Menos de um
mês depois, tinha duas ofertas de emprego, no Reino Unido e na Alemanha.
Fui viver para a Alemanha durante três anos. Retrospectivamente, esta
experiência foi óptima para a minha carreira e para o meu
desenvolvimento intelectual. A rejeição pela FCT em 2014 foi a melhor
coisa que me aconteceu. Em 2017, decidi, e consegui, regressar a
Portugal. Daria ainda uma tentativa ao país. Apesar de tudo, é
confortável viver em Lisboa, especialmente tendo uma rede familiar de
segurança que nos permite ter uma vida acima dos salários
verdadeiramente de miséria praticados em Portugal.
Em 2021, voltei novamente a falhar num concurso académico para um lugar permanente num concurso sobre o qual Luís Aguiar-Conraria já escreveu
no Expresso. Decidi logo e ali que o meu percurso em Portugal havia
terminado. Não estou disposto a desperdiçar a minha vida num país onde,
por um lado, o mérito é completamente esquecido e não valorizado e, por
outro lado, apenas é valorizado quem tem o cartão do partido dominante
ou aguarda, pacientemente, durante anos, a chegada da sua vez de receber
uma prebenda dos poderes instituídos. Para além disso, mesmo quando se
consegue um emprego interessante, as possibilidades de promoção na
carreira, os impostos altíssimos para rendimentos aqui considerados
altos, mas na verdade médios na Europa rica, assim como o estado social
em franca dissolução criam fortes incentivos para deixar o país.
Esta
história é apenas minha, que, como disse, sei ter imenso privilégio à
mistura. No entanto, sei que ecoa em imensas pessoas da minha geração,
muitas delas com mais dificuldades do que eu. Em conversas com amigos e
circulando nas redes sociais, é fácil perceber o desalento dos jovens
com o país e como, tal como na década de 60, não há praticamente família nenhuma que não tenha pelo menos um membro da prole noutras paragens.
A
imposição deste quadro está a ser de tal forma normalizada que as
próprias atitudes dos jovens em relação a Portugal e à emigração poderão
estar a mudar. Recentemente, voltei ao Instituto Universitário Europeu
durante um ano lectivo. Diferentemente da minha geração, que acalentava
ainda a ideia de voltar a Portugal, a geração que está agora a escrever
os seus doutoramentos é bem mais realista do que nós: muitas das pessoas
com quem falei partem com a ideia de nunca mais voltar. A ideia de
regressar a Portugal depois do doutoramento soa-lhes a um suicídio
profissional e a um beco sem saída. Não espanta. Uma geração que foi, na
sua maioria, socializada durante os anos Sócrates, da Troika e da
Geringonça e que tem os recursos cognitivos para perceber a situação
real do país para além da propaganda, não pretende entregar os pontos e
deitar tudo a perder depois de tanto esforço.
O
país assiste a uma verdadeira hemorragia de quadros qualificados. Num
país com a mais baixa educação média na União Europeia, os contribuintes
portugueses são chamados a pagar a educação de muitos jovens os quais,
depois, irão contribuir para o crescimento económico de outros países a
custo zero. Este movimento da periferia para o centro da Europa de
quadros qualificados é uma péssima notícia para Portugal. As pessoas
mais qualificadas, jovens, em idade de ter filhos – e, assim, contribuir
para a sustentabilidade da segurança social – partem para ter uma vida
melhor.
Tal
como em 1974, o regime deixou-se conduzir a um beco sem saída. Não
existem forças endógenas para realizar a mudança necessária. A União
Europeia, e os seus generosos fundos, vão continuar a manter o país
ligado à máquina. No entanto, na ausência de reformas a sério, que iriam
inevitavelmente doer a alguns grupos sociais, a mudança dificilmente
chegará de fora. A vitória de António Costa em Janeiro passado não
ocorreu por acaso. De forma hábil, conseguiu convencer os Portugueses
que, sem mudar, o empobrecimento é inevitável, mas que ele, Costa, pode
aplicar os cuidados paliativos de forma a minorar a dor. Será, assim, a
austeridade com um sorriso. Neste cenário não admira que em 2024 a
Roménia nos esteja prestes a ultrapassar. Costa e Marcelo deixarão o
país bem na cauda na Europa.

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