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Aceitar interferências insensatas do Judiciário sobre o Legislativo não condiz com o discurso de quem defende a democracia. Lygia Maria para a Folha de São Paulo:
Eis que o STF excede mais uma vez os limites de suas funções. O ministro Gilmar Mendes decidiu que o Auxílio Brasil pode ficar fora do teto de gastos.
Parte da esquerda apoiou, em tom moralista similar ao do senador Randolfe Rodrigues
(Rede): "A miséria humana não pode ser objeto de chantagem". Como se a
responsabilidade fiscal não fosse tão importante quanto a
responsabilidade social para garantir emprego, renda e inflação
controlada, que beneficiam sobretudo os mais pobres.
Mas
a cegueira ideológica não acaba aí. A canetada de Gilmar atenta contra
um princípio fundamental do Estado de Direito: a separação entre os três
Poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário) e suas limitações mútuas.
Quando
o filósofo francês Montesquieu elaborou esse conceito, no século 18, o
objetivo era conter o absolutismo e eliminar a possibilidade de que
qualquer agente ou instituição acumulasse poder e extrapolasse seu uso.
Atualmente, a fórmula é seguida por todas as democracias liberais do
mundo.
Cada um dos Poderes tem funções internas e um papel defensivo externo.
O Legislativo, por exemplo, elabora leis e pode votar impeachment
presidencial. O Judiciário interpreta as leis e pode declarar que uma
delas é inconstitucional.
Mas
o que o STF fez foi legislar. O atrelamento do Auxílio Brasil ao limite
de gastos não é inconstitucional. Ou seja, o Judiciário interferiu de
forma injustificável nas prerrogativas do Legislativo.
Ministros
do Supremo não foram eleitos pelo povo, ao contrário dos parlamentares.
Quando o Supremo resolve legislar, está deturpando a base do sistema
democrático, que é a expressão da vontade popular.
Aceitar
interferências insensatas do Judiciário sobre o Legislativo —ainda mais
por mero interesse político— abre precedentes perigosos para
jurisprudência que mina um dos pilares do Estado de Direito. Logo,
ninguém que se arvora a defensor moral da democracia pode exaltar ações
como a de Gilmar Mendes sem cair na hipocrisia.
Postado há 3 hours ago por Orlando Tambosi
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