por Rafael Balago | Folhapress
Em
2022, a ideia de tirar a cobrança do transporte público ganha impulso
no Brasil. Além de o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB),
anunciar que analisa a ideia, dezenas de pequenas cidades passaram a
adotá-la e o tema é debatido pela equipe de transição do presidente
eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
"O presidente Lula pode dar apoio a essa ideia. Joguei o tema para
ser debatido no grupo de trabalho das cidades. Meu papel é ajudar a
convencê-lo da necessidade do direito de ir e vir. Assim como a
população tem acesso à saúde gratuita e universal, acesso à educação,
precisa ter acesso ao transporte", diz Jilmar Tatto (PT), deputado
federal eleito por São Paulo e que integra a equipe de transição de
governo.
Ex-secretário municipal de Transportes de São Paulo, Tatto defende a
criação de um sistema integrado de mobilidade, a exemplo do SUS com a
saúde, em que o governo federal possa enviar recursos para ajudar as
cidades a melhorar a estrutura de transportes. Esse sistema incluiria a
adoção de tarifa zero.
Uma das questões que poderiam ajudar no avanço da proposta, e que
precisa ser resolvida na alçada federal, é a do vale-transporte. Hoje,
as empresas pagam o benefício só aos funcionários que usam ônibus e
trens. Uma das ideias para custear o passe livre é mudar o modelo: as
companhias passariam a pagar ao governo uma taxa de transporte para
todos os funcionários, sendo que o valor por empregado seria menor do
que o gasto atual com o VT. Assim, haveria um aumento de arrecadação,
pois, espera-se, mais empresas passariam a contribuir.
"Isso deve reduzir os custos das empresas que pagam muito VT e
aumentar os das que pagam pouco, como os escritórios de advocacia, onde
muita gente vai de carro", avalia Sérgio Avelleda, coordenador do Núcleo
de Mobilidade Urbana do Insper e ex-secretário estadual de Transportes
de São Paulo.
Os especialistas consideram que poderia se criar uma cesta de várias
fontes de recursos para custear a ideia, como verbas de cobrança por
estacionamento na rua, pedágio urbano, transferências federais e venda
de certificados de potencial construtivo.
Até hoje, nenhuma grande metrópole adotou tarifa zero de forma
completa, sobretudo porque os custos de manter um sistema para
transportar milhões de pessoas por dia são muito elevados. A cidade de
São Paulo gastou, em 2021, R$ 3,3 bilhões em subsídios para a rede de
ônibus, fora o valor pago pelos passageiros.
A capital paulista, no entanto, já foi pioneira em outras mudanças no
transporte. Em 2004, lançou o Bilhete Único, que permite mais de uma
viagem com uma só cobrança, em determinado período. A mudança abriu mais
possibilidades de deslocamento aos usuários, especialmente das
periferias.
Quando o Bilhete Único foi integrado ao metrô, alguns anos depois, o
total de passageiros nos vagões teve forte alta, mostrando que havia uma
grande demanda reprimida pelo transporte.
Cidades que estão adotando agora a tarifa zero no Brasil também
registram forte procura. Em Caucaia (CE), a cobrança foi abolida em
agosto de 2021. Desde então, o total de viagens de ônibus passou de
cerca de 500 mil para mais de 2 milhões mensais
"É uma transferência direta de renda para a população, que pode usar o
dinheiro que gastaria no transporte em outras coisas, movimentando a
economia da cidade", diz Vitor Valim (sem partido), prefeito de Caucaia,
que tem 360 mil habitantes.
Valim diz que o transporte consome 3,6% do Orçamento e que fez
arranjos nas contas municipais para acomodar o gasto, sem criar novas
taxas. "Com vontade política, é exequível", considera.
Segundo a NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes
Urbanos), há 51 cidades no país com projetos ativos de passe livre no
Brasil, a maioria no Sudeste (35).
No estado de São Paulo, são 17, entre as quais Holambra, Ilha
Solteira, Pirapora do Bom Jesus e Presidente Bernardes. Em Ribeirão
Pires, a gratuidade vale só aos domingos e feriados. O segundo estado
com mais iniciativas é Minas Gerais, com 12.
No Paraná, a cidade de Paranaguá, com 157 mil habitantes, adotou a
medida em março. Os moradores e trabalhadores da cidade tiveram de fazer
um cadastro para ter direito ao benefício.
Paranaguá tentou criar uma nova taxa sobre as empresas para custear a
mudança, de R$ 50 por funcionário, mas a medida foi barrada pela
Justiça. A cidade então passou a bancar as passagens com recursos já
existentes, como os obtidos com publicidade nos ônibus. As empresas
continuaram a ter de pagar VT para os colaboradores. O dinheiro vai para
o caixa da prefeitura.
Em Maricá (RJ), a transição rumo à tarifa zero foi mais longa. O
processo começou em 2013. A prefeitura optou por criar uma autarquia, a
EPT, para implantar a gratuidade. A empresa começou com frota e
motoristas próprios, mas hoje também contrata empresas para operar as
linhas gratuitas.
No entanto, o serviço grátis foi lançado ao mesmo tempo em que
outras, cobradas, continuavam operando. Isso levou os operadores dos
ônibus pagos a entrar na Justiça para questionar a mudança, gerando um
embate que se resolveu só em 2020, quando os contratos de concessão
terminaram. A isenção de tarifa é bancada com recursos de royalties do
petróleo.
Entre 2021 e 2022, Maricá ampliou a frota de 50 para 115 ônibus. No
mesmo período, o total de passageiros se multiplicou, de 40 mil para 120
mil por dia.
"Antigamente, quem morava num certo distrito não conhecia os outros
distritos da cidade, porque não tinha dinheiro para o deslocamento. A
economia não girava. Agora, pode-se ir a qualquer área do município, o
que melhora muito o desenvolvimento das regiões", afirma Claudio Haddad,
presidente da EPT de Maricá.
Já entre as capitais, apenas São Luís (MA) tem um piloto de tarifa
zero, oferecida em uma região da cidade e para funcionários do comércio,
a partir das 21h, desde outubro do ano passado.
Para as empresas de ônibus, a isenção não traria problemas, porque as
prefeituras podem remunerar os empresários pelos km rodados por cada
ônibus, em vez de pagar por pessoa transportada, como é hoje.
Como o número de passageiros teve forte queda com a pandemia, as
empresas que tinham o valor da passagem como principal fonte de renda
passaram a ter dificuldades. Elas geralmente não podem aumentar a tarifa
sem aval da prefeitura, e o custo político de subir os preços, como
2013 mostrou, pode ser alto. Assim, houve casos no interior do país em
que empresas desistiram de operar as linhas, deixando as cidades sem
transporte.
"Uma coisa é a tarifa cobrada do usuário, e outra é a tarifa de
remuneração das empresas. A nossa preocupação é ter garantias de que a
remuneração dos custos operacionais terá continuidade", diz Marcos
Bicalho, diretor da NTU. "É importante primeiro trabalhar nas fontes de
recurso para depois implementar a política."
"Muitas cidades estão dando subsídio [para as empresas], mas a população não sente diferença. Com a tarifa zero, há transparência para o público e previsibilidade [de receitas] para as empresas", diz Valim, de Caucaia.
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