Naief Haddad
Folha
Vença Lula (PT) ou Jair Bolsonaro (PL), um grande desafio se impõe à política brasileira nos próximos anos. É preciso “recriar um partido democrático de direita”, diz Renato Janine Ribeiro, professor titular de ética e filosofia política da USP e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Esse espaço já foi ocupado pelo PSDB, mas a sigla se enfraqueceu com as derrotas para o PT à Presidência e ampliou sua crise ao se unir a Eduardo Cunha, então presidente da Câmara, no processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT). Ao agir assim, fortaleceu a onda que levou Bolsonaro ao poder.
Janine lança “Maquiavel, a Democracia e o Brasil”, livro em que analisa como os presidentes do pós-ditadura chegaram ao poder e o que fizeram para mantê-lo à luz de conceitos do clássico “O Príncipe”.
O sr. encerra o primeiro capítulo do seu novo livro com “Maquiavel é uma boa inspiração para quem quer mudar o mundo”. Por quê?
Porque quando você quer mudar o mundo, tem
que tomar o poder, exercê-lo de alguma forma. Alguém que reflete sobre
as condições para chegar ao poder é uma inspiração importante, tanto
que, séculos depois, o Gramsci [filósofo italiano] comparou “O Príncipe”
ao partido revolucionário. Se quer mudar o mundo, é preciso ter
projetos de melhorá-lo —supondo que queira mudar para melhorar, tem quem
queira mudá-lo para pior. Maquiavel trata bem dos instrumentos para
chegar ao poder e mantê-lo.
Mais adiante, ao abordar a
realidade brasileira, o sr. escreve que Bolsonaro nunca teria sido
eleito sob condições normais. A quais condições está se referindo?
Vamos começar em 2013, ano em que as
pessoas despertaram para a política. A ideia de que, para qualquer
situação errada, era bom ir à luta, fazer política. As pessoas que foram
às ruas esperavam soluções quase mágicas: vai resolver tudo, de saúde à
educação. Chegou-se a uma situação em que o nosso problema eram os
políticos, e isso influenciou as eleições de 2016 e de 2018. João Doria
ganhou a disputa para prefeito [2016] e depois para governador [2018]
prometendo não ser um político, mas um gestor. Bolsonaro ganhou para
presidente porque, além de derrubar o PT, o PSDB havia cometido um
suicídio. O espaço propriamente político ficou esvaziado. Bolsonaro era o
personagem adequado para aquele momento porque não estava vinculado a
nenhum grupo político de maneira evidente. E as promessas de atitude
violenta têm um certo apelo no Brasil. Uma frase usada sobre o Bolsonaro
é que ele tem coragem de dizer alto o que todos nós pensamos baixo. Ou
seja, assume todos os preconceitos tradicionais e há quem ache que isso é
um ato de coragem.
Em trecho sobre o
eleitorado no Brasil, o sr. diz que “os cidadãos se autoinfantilizam.
Não têm pejo [vergonha] de admitir que são crianças fáceis de enganar
(…) Clamam por quem os tutele. Elegem um tutor e, quando dá errado,
pedem socorro a outro, geralmente pior”. Qual é a saída?
É preciso educação política, algo que não
se aprende apenas na escola. Aprende-se em mobilizações, em ações. A
imprensa pode contribuir para a educação política ou prejudicá-la. Em
2018, por exemplo, a pauta para os candidatos nas entrevistas era quase
sempre os escândalos. Dá-se no Brasil uma importância desmesurada à
corrupção. Para muita gente, é como se fosse o único problema. Vamos
pegar o sujeito que devolveu R$ 100 milhões para a Petrobras. Esse valor
dá talvez um dia de merenda escolar no Brasil, talvez nem isso. Não é
esse dinheiro que vai resolver os problemas do país.
A imprensa erra ao dar muito destaque aos escândalos de corrupção, é isso?
Erra porque coloca todos no mesmo saco, e a
tendência é que se passe a dizer que todo político é ruim. Converse com
quem acha que todo político é ruim e pergunte em quem ele vota para
deputado, senador… Vai ser no pior nome possível, eles têm um faro
fantástico. Quem repudia a política tem muito talento para votar
pessimamente.
No livro, o sr. aproxima Bolsonaro de Jânio Quadros e Collor, dizendo que os três fazem “farto uso dos páthos”.
Páthos é de onde vem a palavra paixão, que
tem dois significados: um tipo de sentimento amoroso muito intenso ou
aquilo que caracteriza passividade. Como sentimento afetivo, intenso,
paixão se opõe à razão. Jânio foi eleito como um salvador, sem
compromisso com ninguém. Dizia que o grande problema do Brasil era a
corrupção. Collor, que ficou conhecido como “caçador de marajás”,
retomou fortemente o tema da corrupção. E Bolsonaro também, além da
degradação dos costumes.
O sr. diz que o país se
dividiu em três blocos políticos principais depois de 2018: a extrema
direita, com Bolsonaro à frente; a direita, simbolizada pelo PSDB ou
pelo que restou dele; e a centro-esquerda. Considerando os resultados do
1º turno, como esses blocos tendem a se organizar?
Além de restabelecer a democracia — não
defender, e sim restabelecer a democracia, porque 2018 foi uma eleição
de fraudes e muita mentira —, um grande desafio para o futuro é recriar
um partido democrático de direita, que seja comprometido com os direitos
humanos e com a disputa eleitoral. Talvez a Simone Tebet (MDB) seja uma
possibilidade nessa direção. A campanha dela foi bem feita, ela se saiu
bem.
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