A
desigualdade está intrinsecamente relacionada ao racismo ambiental e
energético. Na mesa “Racismo Energético e Ambiental – Soluções a partir
da Transição Energética Justa, Popular e Inclusiva”, que aconteceu no
Brazil Climate Action Hub dia 9, na COP27, representantes da Coalizão
Energia Limpa – transição justa e livre do gás e de áreas quilombolas e
territórios indígenas ressaltaram as injustiças e as violações de
direitos que vêm acontecendo no território nacional. O vídeo na íntegra
está disponível em:
https://www.brazilclimatehub.org/racismo-energetico-e-ambiental-solucoes-a-partir-da-transicao-energetica-justa-popular-e-inclusiva-v/
É
comum presenciar exemplos de grupos minoritários afetados por políticas
públicas, inclusive ambientais, que prejudicam a sua existência ou
ainda sendo sumariamente excluídos de uma acessibilidade energética.
Participaram da conversa: Paulo Tupiniquim, Articulação dos Povos e
Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo
(Apoinme) que faz parte da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil;
Nicole Figueiredo de Oliveira, do Instituto Internacional Arayara;
Joilson Costa, Frente Por uma Nova Política Energética; Kátia Penha e
Célia Pinto, ambas da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos
(Conaq); Ricardo Baitelo, Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA);
mediados por Amanda Ohara, Instituto Clima e Sociedade (iCS).
“Esse
problema está relacionado não somente aos aspectos de acesso e
impactos, mas também à própria participação nos processos de
planejamento para as tomadas de decisão, que não costumam ter uma
representatividade com a população mais pobre e, em sua maioria, formada
por descendentes de quilombolas e indígenas”, destacou Ohara. “Além
disso, estamos vivendo o processo de transição energética, que é a
substituição das fontes fósseis por renováveis. E esse processo é uma
mudança profunda na sociedade, deveria permitir uma abordagem diferente
dessas questões”, completou.
Um
exemplo desse racismo energético, que tem colocado em risco as
comunidades menos privilegiadas, foi o caso da mina Guaíba, apresentado
pela Oliveira. “A mina Guaíba seria a maior mina de carvão a céu aberto,
a ser implantada a 16 km de Porto Alegre, localizada em cima de
territórios indígenas e do maior assentamento de produção orgânica de
arroz do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) da América
Latina. Felizmente, esse projeto conseguiu ser impedido por uma
mobilização popular e também por ações civis públicas que nós, Instituto
Internacional Arayara, movemos”, contou Oliveira.
O
debate foi promovido pela Coalizão Energia Limpa – transição justa e
livre do gás, que visa combater a expansão do gás no país, além de
promover energias que sejam justas e sustentáveis. “O planejamento
energético brasileiro demonstra um claro racismo ambiental e energético
do ponto de vista das escolhas dos locais onde esses empreendimentos
estão sendo alocados, impactando tanto as comunidades tradicionais
(sejam os povos indígenas, quilombolas ou pescadores e marisqueiras),
como também as pessoas negras que moram nas periferias das cidades. Esse
avanço é assustador”, frisou a diretora-executiva do Arayara.
Referente
à matriz elétrica, o gerente de projetos do IEMA, Ricardo Baitelo,
enfatizou a realidade diferenciada do Brasil no acesso à energia.
“Coincidentemente, há uma ligação direta entre as populações com menos
oportunidades e renda – justamente por essa demanda reprimida –, com
essa dificuldade logística, técnica e de políticas públicas para que a
energia chegue às populações isoladas e remotas. Sendo assim, existe um
desafio muito claro de acesso a dados e atualização de dados de como
está sendo realizado o acesso a essas populações. O número de pessoas
sem energia elétrica na Amazônia já chegou acima de 15 milhões, hoje o
IEMA estima em torno de um milhão”, revelou Baitelo.
Uma
das possíveis soluções citadas para atenuar o problema é empregar
energia solar distribuída armazenada em baterias. Trata-se de um
equipamento utilizado em sistemas fotovoltaicos para amenizar a falta de
energia elétrica em comunidades mais remotas, sem fazer parte (por
inúmeros motivos) do Sistema Interligado Nacional (SIN).
Impactos territoriais e suas consequências
A
exclusão de uma política energética justa para os grupos minoritários,
como a acessibilidade às fontes renováveis, foi questionada pelos
palestrantes. A energia solar, por exemplo, já é considerada uma energia
cara por muitos, em especial a sua aquisição. Logo, pessoas que têm uma
melhor condição financeira podem obtê-la mais facilmente.
“A
crise hídrica que vivemos, por exemplo, fez com que aumentasse a tarifa
de energia para toda a população brasileira. Imaginem, então, a nossa
situação: povos indígenas e nordestinos, que vivem em um lugar de
extrema seca, onde falta água até para fazer comida, tomar banho e
beber, vivendo no semiárido brasileiro e ainda faltar energia nas nossas
casas?”, questionou Tupiniquim.
O
coordenador geral da APOINME contou a sua experiência ao visitar uma
usina de energia eólica no Rio Grande do Norte, próximo às terras de
parentes potiguares para contextualizar a necessidade de uma compensação
aos povos desses territórios impactados por empreendimentos de energias
renováveis e limpas. “Os ‘grandes cataventos’ se sobrepõem a um
território indígena que, infelizmente, ainda não está demarcado. E não
há sequer um diálogo, uma troca de informações sobre os impactos e
prejuízos que essa geração de energia está causando para aquele
território. O mais triste é a falta de água que aquele povo vive na
região, mesmo com aquele empreendimento enorme colocado ali,
praticamente dentro do seu território. Precisamos de energia limpa, mas
que de fato seja limpa, além de dialogada e discutida com as populações
indígenas”, lamentou Tupiniquim.
Os
impactos causados pelos complexos de energia eólica ainda foram alvo de
questionamentos e críticas por parte das representantes da CONAQ. “A
Comunidade Quilombola do Cumbe, em Aracati, no Ceará, também sofre com
os impactos gerados pela construção de um parque eólico dentro de seu
território. Os problemas impostos à comunidade do Cumbe atingem,
inclusive, o direito de ir e vir dos nativos, com a impossibilidade dos
pescadores artesanais de acessar o mar por dentro do território para
pescar. Outro problema grave é o barulho dos aerogeradores, que
funcionam dia e noite, sem um minuto de silêncio sequer”, ressaltou a
coordenadora-executiva da entidade, Célia Pinto.
Dados
oficiais estimam que 650 quilombos (mais de 10%) sofrem impactos de
grandes empreendimentos e projetos de infraestrutura na área de geração
de energia. Trata-se de um número expressivo, mas que está longe de
refletir a totalidade dos conflitos socioambientais enfrentados nos
quilombos, que é muito maior. É ampla a violação dos direitos dos
territórios quilombolas nas diferentes fases de implantação de
empreendimentos e projetos de infraestrutura, como destacou a
coordenadora nacional da CONAQ, Kátia Penha.
“Temos
mais de 500 territórios impactados por linha de transmissão, mais de 57
territórios quilombolas impactados pela energia eólica, mais de 25
territórios por construções do Programa de Subsídio à Habitação de
Interesse Social (PSH). Além disso, há muitas irregularidades, como
descumprimento de normativas, errônea separação entre área habitada e
não habitada pelas comunidades e equívocos na caracterização da
organização sociocultural das comunidades quilombolas. As consequências
são conflitos com riscos à vida e à segurança de defensores quilombolas
do meio ambiente e do território”, argumentou Penha, que acrescentou que
a geração de energia é necessária, mas deve-se lembrar que não existe
energia sem impacto.
No
final do debate, o coordenador executivo da Frente por uma Nova
Política Energética para o Brasil, Joilson Costa, ressaltou que apesar
da matriz brasileira elétrica ser majoritariamente renovável, é
necessário caminhar mais rapidamente na direção de uma transição
energética que seja mais justa, popular e inclusiva.
Essa
transição não é meramente uma mudança de combustíveis fósseis para
fontes renováveis. Essa mudança tem que ser baseada nesses princípios e
que atenda a todos os setores da sociedade, sem provocar violações de
direitos, injustiças ambientais, sociais e energéticas, incluindo a
participação popular.
Sobre a Coalizão Gás e Energia
A
Coalizão Gás e Energia – transição justa e livre do gás é um grupo
brasileiro de organizações da sociedade civil comprometido com a defesa
de uma transição energética socialmente justa e ambientalmente
sustentável no Brasil. Ela tem como objetivo excluir o uso do gás como
fonte na matriz energética até 2050. Fazem parte as organizações:
ClimaInfo, Instituto Internacional Arayara, Instituto Brasileiro de
Defesa do Consumidor (Idec), Instituto de Energia e Meio Ambiente
(IEMA), Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e Instituto Pólis.
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