domingo, 2 de outubro de 2022

O marxismo que falta ao Brasil

 

BLOG  ORLANDO  TAMBOSI
Groucho-marxismo é um dos melhores antídotos que conheço para o culto à personalidade e essa vontade louca de pertencer — a uma panelinha, um clube, uma torcida organizada, uma seita. A crônica de Ruy Goiaba para a Crusoé:


Esta é uma coluna fadada a ficar velha rapidamente: estou escrevendo na quinta-feira (29), horas antes do debate presidencial na “Globo Golpista” e três dias antes da votação. Em breve saberemos se His Luliness vencerá em primeiro turno — e com isso terá sua posse antecipada para 3 de outubro, transformará água em vinho, multiplicará os pães e os peixes, fará os paralíticos andarem e distribuirá picanha e dólar a R$ 2 para todo mundo —, se irá para o segundo turno contra a Encarnação do Mal ou mesmo se, como quer o universo paralelo bolsominion, o Micto vencerá de saída com 230% dos votos válidos.

Em todo caso, parece que já há alguns ratos saltando do Titanic do bolsonarismo para as naus do dom Sebastião metalúrgico. O caso mais engraçado (até agora) é o da Brasil Paralelo, carinhosamente apelidada de Brasil para Lerdos, aquela produtora de supostos documentários que todo mundo achava que fosse “ala ideológica”, olavista raiz e tal: pois seus sócios estavam lá no jantar de Lula com o PIB, em São Paulo. Depois que O Globo noticiou a história, esses senhores fizeram uma live para dizer que não era nada disso, que o petista continua sendo ladrão e ex-presidiário, que foram lá para estudar as solertes maneiras do inimigo e piririm e pororom: em seguida, a Folha informou que eles aplaudiram Sua Lulidade. Vai ver não eram palmas, tinha muito mosquito no jantar, sei lá.

Claro, tudo isso é business as usual: daqui a pouco veremos também ministros puxa-sacos dizendo que nunca foram bolsonaristas (eles já ficam magoadinhos hoje quando você os chama pelo nome certo), porta-vozes do Micto na mídia assumindo uma “postura de distanciamento crítico”, se bobear até o Velho da Havan trocando seu terno verde-amarelo por um vermelho. Toda essa movimentação na direção de quem ficará com o cofre e distribuirá dinheiro para essa turminha pagar seus boletos é costumeira quando o poder ameaça mudar de mãos, ainda mais neste país superpovoado de picaretas que é o Bananão. Rei morto, rei posto, os sacos a serem puxados agora são outros: segue o jogo.

Já faz quase cem anos que Mário de Andrade incluiu em Macunaíma — “o herói sem nenhum caráter”, ou seja, um brasileiro como você, meu semelhante, meu irmão — aquele refrão “pouca saúde e muita saúva os males do Brasil são”. Continua tudo mais ou menos na mesma, mas entre as muitas coisas que nos faltam além da saúde está o único marxismo que deu certo no mundo: o groucho-marxismo. Como se sabe, o grande Groucho Marx dizia que não queria pertencer a nenhum clube que o aceitasse como membro; fiel à doutrina, eu também não leio nenhuma revista que me aceite como colunista (é brincadeirinha, viu, Carlos Graieb? Leiam esta Crusoé: é uma revista batuta, desce macia, reanima e traz — ou estraga — a pessoa amada em três dias).

Em geral, o brasileiro prefere aderir a se opor: dá menos trabalho. Ser adesista ajuda muita gente a ganhar a vida, mas é o tipo de coisa que não funciona nem com a imprensa nem com o humor. Já devo ter citado mil vezes aqui, mas repito porque é meu mantra, Millôr Fernandes dizendo que “imprensa é oposição; o resto é armazém de secos e molhados”. Da mesma forma, humor a favor é a morte do humor: ou é do contra (inclusive contra o próprio humorista, para que ele não se iluda achando que um clube que o aceita como sócio possa oferecer algo de bom) ou não existe. Groucho-marxismo é um dos melhores antídotos que conheço para o culto à personalidade e essa vontade louca de pertencer — a uma panelinha, um clube, uma torcida organizada, uma seita. Infelizmente, nada indica que o Brasil seguirá a sã doutrina e deixará de venerar os santos da vez. Dilma Rousseff tinha razão (“não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder: vai todo mundo perder”).

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A GOIABICE DA SEMANA

Um debate presidencial brasileiro não é debate se não inclui pelo menos um Candidato Exótico. Eu estava sentindo falta desse personagem — afinal, na eleição passada Cabo Daciolo cumpriu o papel com louvor —, mas finalmente o glorioso PTB nos ofereceu o Padre Kelmon, que já foi do PT e diz pertencer a uma entidade peruana não reconhecida pela Igreja Ortodoxa no Brasil. É pena que o padre la garantía soy yo sirva só de escada para Jair Bolsonaro nos debates e não faça nenhum milagre, andar sobre as águas, chuva dentro do estúdio, essas coisas. Quase dá saudade do Daciolo falando em línguas, mas logo passa.

 
Padre Kelmon, que tem se empenhado para substituir Roberto Jefferson à altura

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