BLOG ORLANDO TAMBOSI
Da última vez que assisti a um debate presidencial, por exemplo (foi em 1989; acho que lá estavam Brizola, Marronzinho, Sílvio Santos e Enéas), perdi três quartos dos cabelos, fiquei temporariamente cego de um olho e torto da espinha. Via Crusoé, a crônica de Orlando Tosetto:
Parei
de assistir a debates políticos porque fico doente. O amigo talvez ache
que eu me refiro a alguma doença psicológica, mas não é só isso: meu
mal-estar é muito mais físico. Da última vez que assisti a um debate
presidencial, por exemplo (foi em 1989; acho que lá estavam Brizola,
Marronzinho, Sílvio Santos e Enéas), perdi três quartos dos cabelos,
fiquei temporariamente cego de um olho e torto da espinha. O médico que
me atendeu no pronto-socorro disse que era um caso brando de
quasimoditis acutae, doença dos nervos cuja manifestação é deixar o
doente parecido com o Corcunda de Notre Dame. Tomei antibióticos e uma
antirrábica, e o doutor me proibiu de assistir a qualquer outro debate –
inclusive mesa-redonda de futebol – pelo resto da vida, sob pena de ver
a quasimoditis se transformar numa dilmoluscatitis glossolalica
crônica, que não tem cura e, além dos outros sintomas, ainda deixa os
olhos vesgos e aumenta muito a capacidade de falar besteira (e olha que a
minha já é enorme).
* * *
Existe
na língua inglesa a expressão jump to conclusions, que quer dizer
“chegar a uma conclusão depressa demais, sem ter todos os fatos na mão
ou na cabeça”. Bem, eu não sei quem é que previne os falantes do inglês
de sair por aí saltando o brejo dos fatos curtos para a terra firme das
conclusões compridas; o que eu sei é que nós, brasileiros, espanto do
mundo, temos aqui uns tribunais para nos ajudar nesse tipo de
escorregão.
Aliás,
é impressionante a quantidade de tribunais que nós temos, não é? Afora
os cíveis e criminais, aí estão os eleitorais, os de contas, os de
execuções penais, os militares e, por fim, os supremos triviais e
variados – todos eles agindo mais e mais sobre a nossa já limitada
mobilidade, quer de palavra, quer de pensamento, quer lá do que esteja
na alçada de cada corte respectiva.
E
é impressionante também o conhecimento que a gente tem desses tribunais
hoje em dia. Se eu, moleque nos anos 70, perguntasse ao meu pai o que é
o STF, ele, talvez confundindo com SFC, responderia que era um time de
futebol. Ora, eram os anos 70 e meu pai não tinha, e nem precisava ter,
ideia do que fosse ou do que fizesse essa corte. Já hoje, nós não
somente sabemos que é sim um time de futebol como discutimos, cada vez
mais a meia voz, sua escalação, suas jogadas, suas táticas, etc. Há quem
diga que evoluímos; não sou eu que vou negar.
Eu
ia fugindo do assunto, entretanto. Pois o que eu ia dizendo é que somos
tão sortudos, tão bem aquinhoados pelos fados, que uma corte (esqueci
qual) veio nos ajudar a não ficar por aí pulando, pulando e pulando até
cair com os dois pés no peito de alguma conclusão. Foi uma corte
didática, data venia até preclara, usque magnânima, cheia do fumus e
também do boni iuris, que veio nos alertar para o perigo de deixar que
fatos verdadeiros nos levem a conclusões mentirosas.
Não
sorria, amigo: antes, acompanhe o exemplo megalômano do meu caso
pessoal. Estou trinta quilos acima do meu peso ideal – isso é um fato, e
a verdade dele é atestada por qualquer balança de farmácia, por várias
reportagens de TV e jornal, e pela cara de cachorro que tomou chuva do
meu endocrinologista. Pois bem: com base nesse fato singelo, pode ser
que o amigo venha a concluir que, pôxa, o Orlando é gordo, e ao alardear
em cadeia nacional essa conclusão precipitada, venha a afetar a minha
imagem diante dos esbeltos, aniquilar meu bom nome entre os que malham,
fazer minha caveira na roda dos saudáveis, e por aí vai.
Percebeu
o perigo? Notou a pirueta retórica, o twist carpado para a conclusão de
que sou gordo com base tão somente na verdade meramente circunstancial
de que peso trinta quilos a mais do que devia? É disso que a tal corte
fala e é disso que falo eu (no meu caso; no caso dos outros, aprendi, é
melhor me calar).
Veja
se os Estados Unidos, aqueles atrasados, têm algo assim. Watchmen, lá, é
só em filme e gibi. Veja se a Inglaterra goza de benefício tal. Veja se
na Irlanda, no Canadá, na Nova Zelândia o poder público é assim
benigno, assim atento, assim ligeiro, assim eficaz. Medite aí com seus
botões e pare de reclamar, amigo. Caso esteja reclamando, é claro; se
não estiver, muito bem, não comece: é o silêncio que aperfeiçoa as
instituições. Punto e basta.
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