BLOG ORLANDO TAMBOSI
Daqui
a pouco, a infinita paciência de Deus acaba, Ele liga o modo Velho
Testamento e manda uma chuva de gafanhotos sobre o Bananão. Bem, talvez
até já esteja fazendo isso. Via Crusoé, a crônica de Ruy Goiaba:
Já
usei como ilustração da minha coluna na Crusoé o “Cristo Abençoador”,
do francês Jean-Auguste-Dominique Ingres (1780-1867), pintura em estilo
neoclássico que faz parte do acervo do Masp.
Para nós, pobres almas deste século 21, o Jesus que o quadro retrata —
olhando para cima — parece mais alguém especialmente impaciente (rolling
eyes, como naquele emoji) do que o filho de Deus distribuindo bênçãos;
por isso previ que, no futuro, ninguém se lembrará do nome oficial e
todos passarão a chamar a tela de “Jesus Aff”.
Da
mesma forma, já citei mais de uma vez “Romaria”, que está em “Alguma
Poesia”, o primeiro livro de Carlos Drummond de Andrade, lançado em
1930. É aquele poema em que Cristo “no lenho expira magoado”, mas
“ninguém não percebe”, porque o dia é de festa. Os romeiros pedem coisas
como “dai-me dinheiro,/ muito dinheiro para eu comprar/ aquilo que é
caro mas é gostoso/ e na minha terra ninguém não pissui”. Ou “me dá
coragem pra eu matar/ um que me amola de dia e de noite/ e diz gracinhas
a minha mulher”. O Jesus de Drummond, cansado dos pedidos, “dorme
sonhando com outra humanidade”.
Por
que cito o quadro de Ingres e o poema de Drummond desta vez? Porque são
as duas coisas que mais me vêm à cabeça diante dos absurdos diários
envolvendo religião cometidos pelos fanáticos das duas seitas que
disputam o segundo turno presidencial no Brasil. É claro que em toda
eleição — no mínimo, desde que FHC não conseguiu responder àquela
pergunta de Boris Casoy sobre acreditar em Deus, há quase 40 anos —
vemos políticos disputando campeonato de quem é mais crente. Nesta,
porém, ficou claríssimo que Jesus é um acessório, no máximo um pretexto,
para os devotos de Jair Bolsonaro e de Lula. E confesso certa
dificuldade, que meus leitores talvez já tenham notado, de suportar
idiotas com um sorriso (suffer fools gladly), como aconselhava São Paulo
Apóstolo.
Lula,
por exemplo, acabou de divulgar uma Carta aos Evangélicos, que custou a
sair porque um pessoal da cúpula do PT tem nojinho dessa história de
religião. E já está cumprindo todo o figurino, ainda que meio em cima da
hora para um segundo turno que se afigura apertado: se ajoelhou para
receber as bênçãos derramadas em nome de Jesus, repetiu que é contra o
aborto e até disse que a ideia de banheiro unissex saiu “da cabeça do
Satanás” — o que deixaria muito chateada minha avó devota de N.S. de
Fátima, já que o banheiro da família era “unissex” (só tinha um em todas
as casas onde a gente morou). Enquanto isso, a Al-Qaeda petista nas
redes segue tratando os infiéis na porrada ou, na melhor hipótese,
esfregando livro em L na cara deles; persuasão, essa arte perdida.
Do
outro lado, o Estado Islâmico bolsonarista continua fazendo o que faz
de melhor: intimidando “inimigos” (incluindo a imprensa), provocando
confusão do lado de fora da Basílica de Aparecida durante o dia da
santa, xingando padre e gritando “mito!”, que é o “Allah akbar”
bolsominion, no meio da missa ou em qualquer outro lugar não dedicado ao
culto do Deus deles. Até dom Odilo Scherer, o arcebispo de São Paulo,
teve de vir a público se explicar sobre os trajes vermelhos com que
aparece na foto do Twitter — claro, é o vermelho-sangue que os cardeais
católicos usam há séculos, desde muito antes da existência do próprio
conceito de “esquerda”, e simboliza a disposição de morrer pela fé.
(Aliás,
essa turma que se diz tão temente a Deus é espetacularmente ignorante
da Bíblia: Nikolas Ferreira, o candidato à Câmara mais votado do país,
conseguiu escrever que “a estratégia de oferecer comida é de Satanás.
Foi assim com Jesus no deserto”. Não só é errado em si — na passagem
bíblica, o Diabo não oferece nada, e sim provoca Cristo a transformar
pedras em pães — como deixa a gente sem entender por que, afinal, Jesus
multiplicou os pães e os peixes; vai ver era só um truque de mágica para
a galera da Galileia. A Bíblia dos bolsonaristas já deve ter reescrito
Mateus 25:35, mudando para “tive fome e ficou por isso mesmo”.)
Tudo
somado, no Brasil de hoje, acho que o Jesus de Ingres e o de Drummond
não bastam — consigo facilmente visualizar um terceiro que corresponde
àquele título da música de Frank Zappa, “Jesus Thinks You’re a Jerk”.
Daqui a pouco, a infinita paciência de Deus acaba, Ele liga o modo Velho
Testamento e manda uma chuva de gafanhotos sobre o Bananão. Bem, talvez
até já esteja fazendo isso.
***
A GOIABICE DA SEMANA
Então
João Amoêdo, empresário e fundador do Novo, resolveu apoiar Lula-lá no
segundo turno e provocou — para continuar no tom bíblico dos parágrafos
anteriores — choro e ranger de dentes no seu partido. O mais genial foi o
presidente da sigla, Eduardo Ribeiro (rompido com Amoêdo), dizer que o
Novo havia liberado o voto dos seus filiados, mas NÃO no Lula. O Brasil é
assim mesmo: uma terra abençoada onde “príncipe” defende meritocracia e
os liberais só dão liberdade para você fazer o que eles querem que você
faça. Vai todo mundo pro paredão quando meu despotismo esclarecido
chegar ao poder.
João Amoêdo, que corre o risco de ser excomungado por ser liberalzão demais.
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