quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Gorbachev, a Ucrânia e a defesa da democracia liberal.

 



“Ser pela paz” é uma falácia quando há um agressor e um agredido. “Ser pela paz” é ser neutro e dar força ao agressor para instalar uma ditadura qualquer. Hugo Azevedo para o Observador:


O papel de Gorbatchev na democratização do sistema soviético e imposição de liberdade num país que nunca a teve foi inglório, mas decisivo para o fim da Guerra Fria porque percebeu que a União Soviética não aguentaria mais nenhum banho de sangue. E, com isso, cooperou para a paz mundial. A Perestroika e o Glasnost precipitaram o colapso da União Soviética e a consequente queda do Muro de Berlim.

Não foi uma queda acidental, foi uma destruição a martelo, pelas mãos de cidadãos oprimidos que fugiam da repressão comunista, da falta de liberdade, da perseguição política, da censura e das mortes a tiro a quem o tentasse saltar. O muro que escondia uma ditadura caiu para o lado da democracia, do pluralismo e da globalização. Se não fosse destruído, o muro iria certamente cair de podre.

Nada disto foi reconhecido pelo Partido Comunista Português que, uma vez mais entrincheirado no lado errado, acusa Gorbatchev de ser “um dos principais responsáveis pela destruição da União Soviética e a restauração do capitalismo na Rússia, quando o que se impunha era o aperfeiçoamento do socialismo”. Esta ideia reflete o pensamento típico de autoritários – o fim seria glorioso mesmo que pelo caminho houvesse muito sangue.

Não é, pois, surpreendente que, após a invasão da Ucrânia em 24 de fevereiro, o PCP e uma certa esquerda se tenham apressado a “Ser pela paz”. “Ser pela paz” é uma falácia quando há um agressor e um agredido. “Ser pela paz” é ser neutro e dar força ao agressor para instalar uma ditadura qualquer. Eu também sou a favor da paz, mas não da paz a qualquer custo. Não sou a favor de distorcer os valores da paz e submeter um país soberano e livre a uma rendição.

Na mesma retórica em defesa do agressor estão Salvini, Le Pen e Orbán, tendo esse agressor invadido um país livre e independente. São estes herdeiros do totalitarismo comunista e fascista a maior ameaça à democracia liberal em que vivemos.

A Ucrânia aspira a ser uma democracia e pertencer ao mundo democrático da União Europeia e da NATO, usualmente designado pela direita e esquerda radicais como “capitalista e globalista”. A Rússia, tal como a China, considera a UE e a NATO, alegadamente “capitalistas e globalistas”, como grandes inimigos, porque são um entrave a Putin restabelecer, pela força, a hegemonia russa no espaço da ex-União Soviética.

Numa altura em que os autoritarismos e populismos voltam a cativar multidões, em que o valor da liberdade é relativizado em nome de outros valores supostamente maiores, é essencial celebrar a democracia e a queda do Muro de Berlim enquanto vitória da liberdade sobre um sistema que perseguiu e escravizou, condenou à fome e levou à morte milhões de pessoas, e por isso mesmo não merece qualquer defesa ou justificação.

Estou a favor da defesa da liberdade, das sanções aplicadas ao violador, do estilo de vida ocidental, do mundo civilizado, da democracia liberal. Estou contra Putin, contra o imperialismo, contra a opressão e contra posições extremadas do PCP, Putin, Le Pen, Orbán e afins.

A inflação tem crescido e atingido níveis históricos e os tempos que se aproximam serão difíceis. Todos os dias seremos lembrados dos malefícios de estar na guerra, e o filme russo da Gasprom que mostra a Europa gelada está aí para nos assustar. Neste inverno, e com o escalar das dificuldades, vai ser fácil à extrema-esquerda e extrema-direita culpar o Ocidente de estar envolvido na guerra. A Democracia e a Liberdade não podem ceder, mesmo que em algumas circunstâncias se possa ter que perder a paz e o conforto por algum tempo.

A batalha que a Ucrânia trava é decisiva na defesa do mundo que escolhemos viver, um mundo livre, democrático, um mundo aberto a todos e onde acreditamos que o dia de amanhã pode ser melhor do que o dia de hoje. É este o lado certo do muro. É primordial que, tal com a presidente da Comissão Europeia afirmou, “Putin falhe e a Ucrânia e a Europa prevaleçam”. A batalha decisiva para a defesa das democracias liberais está a acontecer agora.
 
BLOG ORLANDO  TAMBOSI

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