domingo, 28 de agosto de 2022

Piano de pau X aporrinhola

 


Por que as antigas mídias têm de mudar de nome quando surge uma nova? Ruy Castro via FSP:


Orson Welles gravou "Cidadão Kane" em 1941? É verdade que a Warner queria Ronald Reagan, e não Humphrey Bogart, no papel de Rick Blaine, na gravação de "Casablanca" (1942)? Que Hitchcock teve de superar a insegurança de Kim Novak nas gravações de "Um Corpo Que Cai" (1958)? E que Marilyn Monroe levou Billy Wilder à loucura ao se atrasar todo dia para as gravações de "Quanto Mais Quente Melhor" (1959)? Bem, tudo isso é mais ou menos verdade. Exceto que nenhum desses filmes foi "gravado". Foram lindamente filmados, com filme em película, que exigia laboratório, revelação e corte e montagem a gilete na moviola.


O restaurador José Maria recupera na moviola filme de partida amistosa entre Corinthians e Bolonha no estádio Palestra Itália em 1929, um dos mais antigos registros de futebol paulista.

De 1895, ano 1 de Lumière, até pelo menos 1980, todos os filmes, de todos os países e em todas as línguas, foram, com perdão pelo óbvio, filmados. Não foram gravados. As câmeras digitais ou ainda não eram populares ou as imagens que produziam não tinham qualidade para aguentar ampliação para uma tela de cinema com 400 metros quadrados. E, no entanto, quando se referem a qualquer clássico do passado, muitas pessoas hoje dizem que ele foi gravado.

Já não basta ao passado ser passado. Tem também de submeter-se à terminologia de nosso tempo. O caixa eletrônico dos bancos tornou-se, com naturalidade, apenas "o caixa". Já o antigo caixa que nos atendia no balcão passou a ser agora o "caixa humano". Por causa do livro digital, o querido livro impresso, com seus séculos de história, ameaça reduzir-se a "livro físico". O mesmo quanto ao jornal impresso, que passou a ser "jornal de papel".

Por que a nova mídia não se limita a impor o seu nome sem desmerecer o da mídia que ela superou? Em 1974, durante as gravações do LP —ainda não "vinil"— "Elis & Tom", o arranjador Cesar Camargo Mariano, adepto do teclado elétrico, referiu-se ao piano como "piano de pau".

Tom Jobim indignou-se. E passou a chamar o teclado elétrico de Mariano de "aporrinhola".
 
BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

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