Por que as antigas mídias têm de mudar de nome quando surge uma nova? Ruy Castro via FSP:
Orson
Welles gravou "Cidadão Kane" em 1941? É verdade que a Warner queria
Ronald Reagan, e não Humphrey Bogart, no papel de Rick Blaine, na
gravação de "Casablanca" (1942)? Que Hitchcock teve de superar a
insegurança de Kim Novak nas gravações de "Um Corpo Que Cai" (1958)? E
que Marilyn Monroe levou Billy Wilder à loucura ao se atrasar todo dia
para as gravações de "Quanto Mais Quente Melhor" (1959)? Bem, tudo isso é
mais ou menos verdade. Exceto que nenhum desses filmes foi "gravado".
Foram lindamente filmados, com filme em película, que exigia
laboratório, revelação e corte e montagem a gilete na moviola.
O
restaurador José Maria recupera na moviola filme de partida amistosa
entre Corinthians e Bolonha no estádio Palestra Itália em 1929, um dos
mais antigos registros de futebol paulista.
De
1895, ano 1 de Lumière, até pelo menos 1980, todos os filmes, de todos
os países e em todas as línguas, foram, com perdão pelo óbvio, filmados.
Não foram gravados. As câmeras digitais ou ainda não eram populares ou
as imagens que produziam não tinham qualidade para aguentar ampliação
para uma tela de cinema com 400 metros quadrados. E, no entanto, quando
se referem a qualquer clássico do passado, muitas pessoas hoje dizem que
ele foi gravado.
Já
não basta ao passado ser passado. Tem também de submeter-se à
terminologia de nosso tempo. O caixa eletrônico dos bancos tornou-se,
com naturalidade, apenas "o caixa". Já o antigo caixa que nos atendia no
balcão passou a ser agora o "caixa humano". Por causa do livro digital,
o querido livro impresso, com seus séculos de história, ameaça
reduzir-se a "livro físico". O mesmo quanto ao jornal impresso, que
passou a ser "jornal de papel".
Por
que a nova mídia não se limita a impor o seu nome sem desmerecer o da
mídia que ela superou? Em 1974, durante as gravações do LP —ainda não
"vinil"— "Elis & Tom", o arranjador Cesar Camargo Mariano, adepto do
teclado elétrico, referiu-se ao piano como "piano de pau".
Tom Jobim indignou-se. E passou a chamar o teclado elétrico de Mariano de "aporrinhola".
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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