por Pedro Lovisi | Folhapress
Estima-se que um em cada quatro países do mundo tenha ações
afirmativas na admissão de estudantes no ensino superior, de diferentes
formas. Analistas ouvidos pela reportagem veem dificuldades para a
realização de levantamentos abrangentes com esse escopo devido
justamente à falta de consenso sobre o que pode entrar nessa categoria e
como se dá a aplicação na prática.
Os Estados Unidos, por exemplo, começaram a adotar ações afirmativas
em 1965, mas 13 anos depois a Justiça proibiu a implementação de cotas
raciais em processos seletivos, alegando que o instrumento seria
discriminatório. Hoje, centros públicos e privados de vários estados
mantêm tipos diferentes de políticas de inclusão, mas sem usar sistemas
de cotas ou de bônus em notas nas provas de admissão.
Como no Brasil, a discussão no país também é aquecida pela
polarização política. A Suprema Corte americana —de decisões recentes de
grande repercussão, como a que reverteu o entendimento sobre o direito
ao aborto—, pode decidir ainda neste ano pelo fim de ações afirmativas
raciais em universidades que recebem fundos do governo.
O caso chegou ao tribunal em janeiro, quando descendentes de
asiáticos acusaram as universidades de Harvard e da Carolina do Norte
(UNC, na sigla em inglês) de preteri-los em detrimento de candidatos
negros. Com a maioria conservadora do colegiado, analistas veem como
mais provável a rejeição às ações afirmativas, o que poderia gerar um
efeito cascata.
Hoje, cada estado americano tem autonomia para decidir sobre o tema
e, mesmo dentro de um mesmo estado, as regras podem ser diferentes entre
instituições públicas e privadas. Esse nível de autonomia impede um
monitoramento abrangente do modelo aplicado pelo país.
Para Erich Dietrich, professor da Universidade de Nova York, os EUA
podem aprender com o Brasil nesse sentido. Ele explica, por exemplo, que
as escolas americanas não costumam divulgar listas com o nome dos
candidatos selecionados a partir de critérios raciais, o que impede o
acompanhamento da trajetória acadêmica desses estudantes. "O Brasil tem
muito mais dados e transparência", afirma.
O problema se dá também na África do Sul, que tem um sistema
semelhante ao dos americanos. Desde 1997 —três anos após o fim do
apartheid—, a legislação do país determina que as universidades públicas
reparem desigualdades do passado. Ao contrário do Brasil, porém, o
governo não estipula métodos e metas para atingir essa compensação, e as
instituições adotam os próprios critérios.
Ainda assim, Teboho Moja, professora da Universidade do Cabo
Ocidental, diz que as ações afirmativas na África do Sul foram capazes
de mudar a aparência das universidades. "Elas não são como um sistema de
cotas, nós segmentamos grupos específicos e removemos obstáculos que
eles enfrentam. Quando dois alunos têm a mesma nota, o escolhido tende a
ser aquele que veio de grupos marginalizados", diz.
Assim, segundo ela, instituições historicamente brancas hoje tem
maioria de estudantes negros. "Isso é devido à demografia e às políticas
públicas para se criar oportunidades." Os negros são quase 80% da
população sul-africana.
Ainda assim, há grupos contrários a ações afirmativas no país. O mais
famoso deles é o partido de direita Freedom Front Plus, que considera o
sistema de seleção racista. Seu líder, Pieter Groenewald, diz que o
número de graduados negros é alto e que o modelo já é descartável.
Pesquisa das professoras Laura Jenkins (Universidade de Cincinnati) e
Michele Moses (Universidade do Colorado), em 2014, apontou que 23% dos
países têm algum tipo de ação afirmativa em processos seletivos para o
ensino superior. Destes, pouco menos da metade tem alguma legislação
sobre o tema, a exemplo do Brasil.
Na comparação proporcional, a Europa é o continente que mais adota
ações afirmativas, seguido por América do Norte, América Central,
Oceania e Ásia. A explicação, apontam as pesquisadoras, passa pelo nível
de desenvolvimento econômico dos países. Nações europeias têm índices
altos de educação básica e, portanto, podem focar mais o ensino superior
—situação oposta à da África. Pesa também a capacidade organizacional
de grupos minoritários locais para reivindicar legislações favoráveis.
Na Índia, ações afirmativas com base em castas foram adotadas em
várias esferas do país ainda em 1950, pouco após a independência. Mas só
a partir de 2008 cotas em universidades foram inseridas na
Constituição. Hoje, 50% das vagas no ensino superior são reservadas a
castas desprivilegiadas e a pessoas pobres.
"Houve protestos pesados durante toda a trajetória de cotas na Índia.
Pessoas fizeram greve de fome e até colocaram fogo no próprio corpo",
explica Luiz Campos, coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares
da Ação Afirmativa (Gemaa), da Uerj.
Ações afirmativas no ensino superior foram alvo de discussões independentemente do país em questão, mas na maioria dos casos mostraram eficácia na mudança da aparência das universidades. No caso brasileiro, Dietrich vai além: "A política está funcionando bem e não muda apenas as universidades, mas a sociedade. Comparando, espero que possamos fazer melhor nos EUA."
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