por Phillippe Watanabe | Folhapress
Os dias recentes de fogo intenso na Amazônia poderiam ter sido
ainda piores. Uma operação em Mato Grosso impediu um novo "dia do fogo",
que estava sendo arquitetado por proprietários de terras em Colniza,
uma das cidades com maiores números de queimadas no país.
As queimadas de grande escala coordenadas estariam planejadas para o
período de 4 a 6 de agosto, segundo informações apuradas pela
reportagem. Para despistar possíveis ações policiais, os fazendeiros
espalharam pela região a informação de que o novo "dia do fogo"
ocorreria no dia 10 deste mês.
Coincidentemente, o mesmo dia 10, mas de 2019, ficou marcado pelo
primeiro "dia do fogo", quando produtores rurais do Pará combinaram,
para um mesmo período, queimas de pasto e de áreas em processo de
desmate. Os dias que se seguiram foram de elevados números de focos de
incêndio, segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais).
A operação Jomeri conseguiu frear uma parte das queimadas planejadas, porém, em alguns pontos, a queima foi concretizada.
A investigação sigilosa é uma ação conjunta do Gaeco Ambiental (Grupo
de Atuação Especial A Contra o Crime Organizado), Promotoria de Justiça
de Colniza, Dema (Delegacia Especializada do Meio Ambiente), Delegacia
Regional de Juína, Delegacia de Colniza, GOE (Grupo de Operações
Especiais), Batalhão de Proteção Ambiental da Polícia Militar e da Sema
(Secretaria de Estado do Meio Ambiente), de Mato Grosso.
Os policiais apreenderam armas de fogo (houve prisão em flagrante de
quem as portava, mas o número de detidos não foi divulgado), material
destinado a queimas, inclusive luvas de proteção térmica, e celulares e
computadores. Desde o início da operação, já foram lavrados 18 autos de
infração por desmate ilegal.
As investigações, que tiveram início no ano passado, identificaram
que uma parte importante dos incêndios ocorreria na região da fazenda
Bauru (Magali), em Colniza, uma área de disputa fundiária, marcada por
ocupações, conflitos e confronto judicial. A ideia era que os focos de
incêndio simultâneos dificultassem a identificação de autores do crime.
O uso de fogo em Mato Grosso está proibido de 1º de julho até 30 de
outubro, por se tratar de período seco em que há maiores riscos de
incêndios fora de controle.
Os proprietários que arquitetaram o novo "dia do fogo" também
planejaram usar laranjas para se afastar dos crimes. Foram feitos
contratos de gaveta simulando a transferência de pedaços de terra. Os
donos fictícios eram as mesmas pessoas contratadas para fazer as
queimadas que limpariam a área. Dessa forma, caso ocorresse algum
problema com a Justiça, os proprietários de fato não apareceriam.
Contratos simulados também foram apreendidos na operação Jomeri.
Segundo informações do Ministério Público de Mato Grosso, as
propriedades investigadas totalizam uma área superior a 300 mil
hectares, equivalente a mais de 1.800 parques Ibirapuera (cartão-postal
da cidade de São Paulo). Cerca de 50 mil hectares —o que equivale a
cerca de 315 parques— já foram derrubados nessas fazendas.
A Promotoria já entrou com pedidos de reparação socioambiental no valor de R$ 421 milhões pelos desmatamentos realizados.
Os investigados podem ser acusados por associação criminosa, desmate e queima ilegais.
MILHARES DE FOCOS
Apesar da ação que conseguiu impedir uma queima coordenada, a cidade
de Colniza ainda tem números expressivos de queimadas. Só neste mês de
agosto, até esta sexta (26), houve 1.164 focos de calor detectados pelos
sensores do Inpe. A cidade amazônica concentra 4% dos 26.553 focos de
queima registrados na Amazônia.
No início do mês, Colniza apresentava menores números de focos de
calor, que ficaram mais expressivos especialmente a partir de 11 de
agosto, chegando ao pico (até o momento) de 184 queimadas no município
no dia 22.
Foi também no dia 22 que as queimadas expressivas em diversas outras
cidades produziram o maior número de focos de incêndio para um único dia
de agosto desde 2002. Foram 3.358 registros de queima, segundo o Inpe.
A cidade líder de queimadas nesse dia foi Apuí (AM), com 357 focos. Colniza aparece na sexta posição do ranking.
Os meses de agosto e setembro costumam ser os mais críticos para
queimadas no país e na Amazônia. As médias de pontos de calor para esses
meses superam dezenas de milhares de focos.
Vale ressaltar que as queimadas estão associadas ao desmatamento. Em
geral, proprietários de terras derrubam a mata, deixam que a área
desmatada seque e, em seguida, ateiam fogo no material orgânico
destruído para "limpar" a propriedade.
Dessa forma, é comum que cidades com grandes áreas desmatadas também tenham elevados registros de queimadas.
Colniza, por exemplo, um dos municípios com muitas queimadas no país, registrou de agosto de 2020 a julho de 2021 (esse é o último dado mais preciso disponível) cerca de 267 km² de desmatamento, o que lhe rendeu o 8º lugar no ranking de desmate entre as cidades amazônicas. A área derrubada equivale a cerca de 168 parques Ibirapuera.
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