terça-feira, 30 de agosto de 2022

A missão Artemis Hum

 



Basicamente, a Lua continua igual: trata-se de um baldio que parece intervencionado pelo Vhils e que não é varrido desde que começou a andar à volta da Terra. Não se percebe esta vontade de lá ir. José Diogo Quintela para o Observador:


Foi adiado o lançamento do foguetão não tripulado que, lá para 2025, vai levar seres humanos à Lua, no âmbito do programa espacial Artemis. A partida estava prevista para as 13h33 de ontem, mas acabou por ser abortada, devido a uma fuga de combustível. Quer dizer, essa é a explicação oficial. Na realidade, o que aconteceu foi que, enquanto faziam as últimas verificações, os técnicos repararam que o depósito não estava cheio. O responsável por atestá-lo tinha o dinheiro contado, mas de um dia para o outro aumentou o preço do combustível, de maneira que só deu para metade. Ou isso ou esqueceu-se do Galp Frota. A NASA está agora a fazer uma vaquinha para encher o resto até sexta-feira, altura em que voltarão a estar reunidas as condições meteorológicas ideais para o lançamento. Este revés deixa dúvidas sobre o sucesso da missão, ao ponto de estarem a pensar mudar o nome de Artemis 1 para Artemis Hum.

O voo vai servir para testar a cápsula Órion – a nave espacial que um dia alojará os astronautas – nomeadamente, a sua resistência às condições de alta velocidade e de elevado calor quando reentra na atmosfera terrestre. Na semana em que acabaram as férias, apercebi-me bem da importância desse pormenor. É fundamental ter boa resistência ao parvo calor que se sente em Lisboa e à estúpida rapidez com que o regresso é feito. O que eu não dava para, só durante Setembro, estar forrado com o amianto com que estas naves são impermeabilizadas.

Há quem se indigne com o facto de a humanidade não ter voltado à Lua desde 1972, mas eu acho que é do mais elementar bom senso. Não se pode dizer que, desde então, haja novos motivos de interesse. Basicamente, a Lua continua igual: trata-se de um baldio que parece intervencionado pelo Vhils e que não é varrido desde que começou a andar à volta da Terra. Não havendo novidades, não se percebe esta vontade de lá ir. Têm saudades? Vejam as fotos que os astronautas tiraram na altura. Continuam em dia.

Aliás, parece-me que este projecto enferma de grande bazófia ao nível da logística. A NASA quer começar a preparar uma viagem à Lua, com tudo o que isso implica de transporte de material, numa altura em que é impossível viajar de Lisboa a Madrid sem que a companhia aérea perca as malas. Ou são muito optimistas, ou usam outra empresa de handling.

Apesar disso, a colonização da Lua é uma possibilidade excitante. Tenho a certeza de que o dia em que o primeiro grupo de pessoas chegar à Lua vai ser um momento de euforia para a humanidade. E tenho a certeza de que o dia em que o segundo grupo de pessoas chegar à Lua vai ser um momento de grande irritação para o primeiro grupo, que vai ver o bairro invadido por turistas endinheirados a transformarem tudo em Airbnb, obrigando os locais a mudarem-se para T1 com quartos minguantes. Viver-se-á então a primeira bolha imobiliária lunar – metafórica e literal, já que aquelas estufas onde os habitantes do espaço moram são, efectivamente, bolhas.

Fala-se na hipótese de a próxima pessoa a pisar a Lua ser uma mulher. Acho óptimo que, por uma questão de justiça e igualdade, as mulheres tenham o mesmo protagonismo que os homens numa futura colonização da Lua. Se for para ir mais além no Sistema Solar, já não tenho tanta certeza. Quem vê filmes de ficção científica sabe que a única forma de o ser humano aguentar viagens tão longas é sujeitando-se à criogenia. Ora, é um facto científico que as mulheres são muito mais friorentas na cama. Será que estão dispostas a dormir congeladas durante anos numa espécie de tubo de acrílico? Mais: será que os seus companheiros de viagem têm a fibra moral necessária para lidar com o mau humor de uma mulher que acordou com os pés gelados?

A preservação criogénica levanta questões interessantes. Qual será a sensação? Será que dói a cabeça, como quando se come um gelado, mas vezes mil? Será que, se nos deitarmos com um entorse, acordamos com o pé desinchado? E como é que se processa o descongelamento? Ao Sol? Mas o Sol está nas costas da nave, onde não há janelas, só motores. Ou num micro-ondas gigante? Se sim, ficamos com as extremidades quentes e moles, mas com as entranhas frias? E os nossos antepassados, quando sonhavam com viagens no espaço, como pensavam conservar os astronautas durante o voo? Pendurados de cabeça para baixo num fumeiro? Ou em salmoura? Será preferível acordar em Neptuno como morcela ou como bacalhau? Enfim, faz falta um Isaac Asimov para pensar sobre estes temas.
 
BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

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