domingo, 31 de julho de 2022

Líder do governo pediu dinheiro a empresário por ajudá-lo no Inmetro, diz a Polícia Federal

 



Eduardo Gomes (MDB-TO) — Rádio Senado

Eduardo Gomes trocou mensagens reveladoras no celular

Aguirre Talento
O Globo

A Polícia Federal encontrou trocas de mensagens indicando que o senador licenciado Eduardo Gomes (PL-TO), líder do governo de Jair Bolsonaro no Congresso Nacional, fez pedidos de depósitos bancários a um empresário ao qual prometeu ajudar a adiar uma portaria do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). Procurado, o parlamentar disse que os repasses financeiros eram “empréstimos” e negou ter praticado qualquer irregularidade.

Os diálogos de Gomes foram encontrados pela PF no celular de um amigo do parlamentar, o empresário Jorge Rodrigues Alves, que foi alvo da Operação Lavanderia e atua nos setores de construção civil e iluminação. A ação policial foi deflagrada para investigar um suposto esquema de lavagem de dinheiro e fraudes em licitações no Tocantins.

HÁ COMPROVANTES – Após analisar as mensagens, que continham comprovantes de depósitos a pessoas indicadas pelo senador, os investigadores encaminharam um relatório sigiloso à 4ª Vara Federal do Tocantins no último dia 11 de julho.

No documento, a PF solicita o envio do caso para o Supremo Tribunal Federal (STF) por envolver um parlamentar, que tem foro privilegiado na Corte, e afirma: “Há, por fim, diversas conversas entre Jorge e o senador Eduardo Gomes, indicando que Jorge aparentemente paga contas para o senador e lhe envia dinheiro, assim como lhe pede favores e intercessão em assuntos de suas empresas”.

De acordo com o relatório da PF, em 3 de abril de 2020, o senador enviou ao empresário os dados bancários de um assessor parlamentar, João Bosco Pinto da Silva, e pediu que fosse feito um pagamento para uma conta indicada. “Acha que consegue 20?”, perguntou Gomes. Na sequência, Alves respondeu: “Opa! Certeza!”.

CONTA “EMPRESTADA” – Questionado sobre o pagamento, o assessor de Gomes disse não se recordar do caso específico, mas confirmou emprestar sua conta bancária para o senador.

— Desde 1980, nós somos amigos e sempre fizemos alguma coisa juntos. Então, com certeza, ele me empresta a dele, e eu empresto a minha para ele. A gente faz muito trabalho juntos — afirmou Silva ao GLOBO.

Num diálogo anterior, o empresário prestou contas a Gomes sobre depósitos solicitados pelo parlamentar. De acordo com as mensagens obtidas pela PF, em 11 de junho de 2019, o senador apresentou uma lista de favorecidos a Alves para a realização de pagamentos. “Me passa o que fez, por favor”, escreveu o parlamentar ao seu amigo, que, logo em seguida, enviou comprovantes de transferências bancárias feitas a cinco pessoas e empresas que totalizam R$ 42.255.

BUFFET DE FESTA – Em 31 de janeiro de 2019, na véspera de tomar posse no Senado, Gomes solicitou ao empresário um novo repasse “para custear o buffet de uma festa”, segundo relatório policial. Diante do pedido, Alves respondeu: “Como seria? Direto no buffet? Quanto? Estamos juntos, amigo”. Gomes, então, forneceu os dados bancários de uma mulher para a efetivação do pagamento.

O GLOBO entrou em contato com a mulher mencionada na mensagem pelo parlamentar, mas ela não quis falar sobre o assunto e passou o telefone para outra pessoa, identificada como seu marido. O homem, que não quis dizer o nome, afirmou que o pagamento serviu para custear as bebidas da festa de posse do senador, em Brasília, e disse que vários amigos se juntaram para ajudar a bancar o evento.

Outro diálogo indica que, durante a campanha eleitoral ao Senado em 2018, Gomes também pediu pagamentos para bancar uma despesa com uma locadora de veículos.

DISSE O SENADOR – “Tenho que passar 70 mil para uma locadora que pode dar nota que cuida de todos os veículos que estão na campanha”, escreveu o parlamentar dois meses antes das eleições daquele ano. Alves, então, questionou: “Tem q ser hje (hoje) ou eles emitem a NF (nota fiscal) e dão uns dias p pgto (pagamento)?”.

Na sequência, o senador respondeu: “Emite e eu preciso de 30 para comer até domingo”. Em seguida, o empresário brincou: “Uai, tá comendo muiiiito amigo rs (risos)”.

“Há elementos para se acreditar que parte dos valores movimentados pelo grupo possa ter ido para o referido senador, por meio de Jorge Rodrigues Alves, como forma de manutenção de uma boa relação, assim como para o financiamento de campanhas políticas”, apontou a PF.

R$ 760 MIL – Ao todo, segundo as mensagens, os pedidos de dinheiro feitos por Gomes somaram cerca de R$ 760 mil de 2016 a 2020.

Além dos pedidos de recursos, as conversas indicam que, após ser eleito pela primeira vez ao Senado, Gomes atuou para atender a uma demanda do empresário junto a um órgão do governo.

Em 11 de abril de 2019, Alves pediu ajuda ao parlamentar para adiar a entrada em vigor de uma portaria do Inmetro que mudaria as especificações das luminárias usadas no sistema de iluminação pública pelo país afora. “Preciso muiiiiito de sua ajuda”, escreveu o empresário. “É só falar aonde”, respondeu o parlamentar. “Portaria 20 do Inmetro. Precisa ser URGENTEMENTE suspensa ou adiada”, afirmou Alves.

DESCLASSIFICAÇÃO – De acordo com as mensagens, o amigo do parlamentar dizia que a sua empresa seria desclassificada da disputa de um contrato público caso não houvesse alteração da portaria do Inmetro.

Ao receber o pleito do empresário, o senador respondeu que iria tentar interceder junto ao Ministério da Economia, ao qual o Inmetro está subordinado: “Vou pedir assim que sair da presidência (…). Falo direto com o Carlos”, disse Gomes, referindo-se a Carlos da Costa, então secretário de Produtividade, Emprego e Competitividade da pasta. Satisfeito com a promessa, Alves escreveu: “Importantíssimo! Amigo, cuida de mim!”. À época, Gomes era vice-líder do governo Bolsonaro no Senado. Ele só se tornou líder no Congresso no fim daquele ano.

Três dias depois, em uma nova conversa, o empresário enviou ao senador um novo documento sobre a portaria do Inmetro.

DEMISSÃO NO INMETRO – Em resposta, Gomes disse que poderia inclusive trabalhar pela demissão da então presidente do Inmetro, Angela Flôres Furtado, caso o órgão não atendesse ao pleito.

“Vou ler aqui e montar uma estratégia. Em último caso, a gente questiona via comissão de Infraestrutura. Se houver motivação de espírito público a gente até derruba essa mulher”, escreveu o parlamentar.

Em mensagens trocadas no dia 26 de junho em 2019, Gomes encaminhou a Alves um e-mail no qual a presidente do Inmetro informava ao seu gabinete que a vigência da portaria seria adiada em três meses. No dia seguinte, Gomes se reuniu com Angela Flôres Furtado, conforme a agenda pública do órgão. As novas regras foram postergadas e só passaram a valer em novembro de 2019.

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