A governança do roubo e da delinquência será um suicídio político e empresarial. Cabe a nós, jornalistas, assumir o papel de memória da cidadania. Carlos Alberto Di Franco para o Estadão:
Criminosos
e seu principal líder, punidos pelo trabalho saneador da Operação Lava
Jato e, posteriormente, anistiados por aqueles que teriam o dever de
proteger a sociedade, tentam construir narrativas com a finalidade de
apagar os fatos, recriar a história e transformar delinquentes em
modelos de virtudes e exemplos de boa política.
Argumentam,
armados de um cinismo cortante, que a Operação Lava Jato, “com sua
sanha punitiva”, destruiu empresas, criminalizou a política e condenou
inocentes. Como se não existissem confissões documentadas, provas
robustas e milhões devolvidos aos cofres como resultado de acordos. Quem
devolve, por óbvio, reconhece o roubo. Para essa gente, no entanto,
tudo isso precisa ser apagado com a pedagogia do mestre Goebbels,
nazista cruel e braço direito de Hitler: “Uma mentira repetida mil vezes
torna-se verdade”. Mentem. Compulsivamente. Mentem com voz melíflua,
sem ruborizar e mover um músculo do rosto. São exímios na arte do
engodo.
Têm
aliados importantes nas instituições da República. O presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, ao se referir à decisão que
beneficiou o ex-presidente Lula, deixou claro que não significou uma
absolvição, mas algo puramente formal. O crime ocorreu, sim. Trata-se do
pensamento explícito do presidente da Corte, que, de resto, sempre
manifestou uma posição de aberto apoio ao trabalho da Lava Jato no
combate à corrupção. Mas uma andorinha só não faz verão. Infelizmente.
O
ministro Fachin, misteriosa e surpreendentemente, tratou de ressuscitar
argumentos já analisados (e rebatidos) à exaustão sobre a competência
da 13.ª Vara de Curitiba para julgar as ações contra Lula. Questões
formais e bastante discutíveis promoveram, na prática, a higienização da
ficha suja de Lula e abriram as portas para um condenado por crime de
corrupção disputar a Presidência da República. Eis a verdade. O resto é
retórica vazia.
Na
verdade, quando o assunto é combate à corrupção, o Brasil está em queda
livre. Na edição do Índice de Capacidade de Combate à Corrupção 2021, o
País sofreu a maior queda entre as 15 nações da América Latina
analisadas. “O Brasil tem apresentado uma das trajetórias mais
preocupantes entre os países da América Latina”, sublinhou Thomaz
Favaro, diretor da Control Risks.
Desanima?
Certamente. Otimista por natureza, embora duramente testado nos últimos
tempos, ainda acredito na capacidade de reação da sociedade. O mal não
tem a última palavra. Os brasileiros ficaram trancados em casa por causa
da pandemia. Mas ela vai passar. Se Deus quiser. E, então, senhores
políticos e autoridades, apertem os cintos e revisitem as imagens das
imensas passeatas da cidadania que sacudiram o País. Não eram
iniciativas convocadas por partidos políticos. Eram famílias, gente
normal e pacífica, mas cansada do sequestro do seu presente e da
condenação do seu futuro.
O
combate à corrupção é uma das demandas mais fortes da sociedade. A
corrupção algema a sociedade. A corrupção desvia para o ralo da
bandidagem recursos que podiam ser investidos em saúde, educação,
segurança pública, etc. A corrupção empurra crianças famintas para a
catástrofe da prostituição infantil. O Brasil não vai mais
contemporizar.
Cabe
a nós, jornalistas e formadores de opinião, assumir o papel de memória
da cidadania. Não podemos deixar cair a peteca. Revisitaremos todos os
meandros daquele que já foi definido como o maior escândalo de corrupção
da história do mundo, o petrolão, um esquema bilionário de corrupção na
Petrobras durante os governos Lula e Dilma, que envolvia cobrança de
propina das empreiteiras. Trata-se de um dever ético inescapável.
Mas,
para além das trincheiras internas, a guerra contra a corrupção
brasileira ganhou dimensão internacional. Como salientou a promotora
Luciana Asper, em entrevista exclusiva que me concedeu, a irrefutável
gravidade dos impactos da corrupção para o desenvolvimento
socioeconômico do Brasil, a certeza de que as estratégias de
enfrentamento da corrupção estão globalizadas, a notoriedade
internacional do Brasil como país de elevada percepção da corrupção, a
aplicação prática dos tratados e cooperações internacionais para o
combate à corrupção e a imposição da cultura da integridade pública
mudam, por completo, o paradigma de fazer negócios no Brasil e com o
Brasil. Resistir a essa verdade e não se adaptar é o mesmo que receber o
diagnóstico de uma doença grave e acreditar que ela vai desaparecer sem
o devido tratamento.
Resumo
da ópera: diante da dicotomia entre as reiteradas tentativas internas
de estabelecer caminhos para a impunidade e as iniciativas
internacionais de avançar com os tratados e cooperações para o combate à
corrupção global, os Poderes públicos brasileiros vão ser forçados a
mudar.
A
corrupção como modelo de negócio está com seus dias contados. A
governança do roubo e da delinquência será um suicídio político e
empresarial. Nós, jornalistas e formadores de opinião, temos o dever
profissional e ético de jogar muita luz nas trevas da corrupção.
Trata-se de um crime que paralisa, agride e mata.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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