terça-feira, 28 de junho de 2022

Bolsonarismo será vitorioso mesmo se perder eleição, diz autor de ‘Limites da Democracia’

 


Lançamento livro "Limites da democracia: de junho de 2013 ao governo  Bolsonaro" - Sesc São Paulo : Sesc São Paulo

Marcos Nobre afirma que o bolsonarismo veio para ficar

Naief Haddad
Folha

Impressionado com os atos de raiz golpista do 7 de Setembro do ano passado, liderados pelo presidente Jair Bolsonaro, e com a ausência de reação dos políticos e da sociedade, Marcos Nobre decidiu se lançar mais uma vez ao que chama de “diagnóstico do tempo presente”. Em “Limites da Democracia”, com lançamento nesta terça (28), em São Paulo, ele enfrenta os dez anos seguintes. Não são, como diz, quaisquer dez anos.

O último livro do professor do departamento de filosofia da Unicamp com esse tipo de abordagem discute a fundo o passado recente e a atualidade da política brasileira e avalia caminhos possíveis para o futuro— havia sido “Imobilismo em Movimento”, publicado em 2013.

ANOS PERDIDOS – “São dez anos de brutal crise econômica e social, de instabilidade política permanente, de desastres ambientais sem precedentes, de ameaça direta à democracia e à vida”, escreve Nobre, também presidente do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).

O livro vai em busca das motivações e dos efeitos das manifestações de junho de 2013, a partir das quais se consolidou o que o autor chama de “oposição extrainstitucional”.

Os anseios desses grupos encontraram eco na Lava Jato, operação que “acabou se mostrando, para uma enorme parcela do eleitorado, a última instância recursal da política, o único caminho institucional disponível para a canalização de sua insatisfação”. A Lava Jato insuflou as “novas direitas”, observadas em minúcia ao longo do livro, e manteve o sistema político acuado, o que contribuiu de modo decisivo para o impeachment de Dilma Rousseff.

GOVERNO DIGITAL – É de Michel Temer o último governo federal analógico, o que talvez soe como um dado pitoresco, mas é bem mais do que isso. Está nesse terreno um dos pontos fortes de “Limites da Democracia”. Com base em estudos acadêmicos do Brasil e do exterior, muitas vezes reinterpretados por Nobre, o livro demonstra a impossibilidade de radiografar a realidade política do país sem uma percepção detalhada dos avanços digitais.

O autor observa o bolsonarismo sob vários ângulos, entre eles, como um “partido digital”, um conceito criado pelo sociólogo italiano Paolo Gerbaudo para definir organizações que tenham expressão eleitoral, estejam mobilizadas permanentemente e sejam capazes de hackear (ou parasitar) partidos institucionalizados.

Importa menos a sigla à qual Bolsonaro está formalmente vinculado —no caso, o PL. Para líderes de vertente autoritária como ele, vale, sobretudo, a força do “partido digital”.

JÁ GANHOU – Essa é uma das razões para que Nobre, ao fim do penúltimo capítulo, conclua: “Perdendo ou ganhando a eleição em 2022, o bolsonarismo já ganhou. Derrotá-lo será tarefa para muitos anos”.

“É enorme o grau de organização e de engajamento [do bolsonarismo]”, diz à reportagem. “Quer um exemplo? O 7 de Setembro de 2021. Não foi dirigido ao bolsonarismo em geral, a esses cerca de 30% que o apoiam. Foi, na verdade, dirigido ao núcleo duro do ‘partido digital bolsonarista’, que é um núcleo autoritário. E os estudos mostram que a mobilização foi muito capilarizada”.

“Apesar de tudo o que aconteceu nos últimos três anos e meio, Bolsonaro mantém por volta de 30% de apoio e não é um apoio da boca para fora, existe um alto grau de engajamento”, afirma. “É muito razoável imaginar que Bolsonaro consiga manter essa base antissistema ao seu lado, mesmo que perca a eleição”.

GOLPE EXISTE – Além disso, como o presidente do Cebrap tem dito nos últimos anos, a questão central para o bolsonarismo não é eleitoral. “O campo democrático continua jogando amarelinha eleitoral enquanto Bolsonaro monta o octógono do MMA do golpe. Que dará como for possível. Conseguindo a reeleição e fechando o regime desde dentro, produzindo um caos social duradouro, aguardando o fracasso do seu sucessor e as eleições de 2026, dando um golpe em moldes mais clássicos.”

Em algumas passagens de “Limites da Democracia”, Nobre se dedica a desmontar interpretações que se tornaram corriqueiras a respeito de episódios e movimentos desses últimos dez anos. Veja três delas:


 

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