Lincoln
Gordon. A simples menção ao nome do embaixador americano na época do
golpe de 1964 provocava reações furiosas entre intelectuais e militantes
de esquerda. Não deixavam de ter razão. Por causa de suas análises —
implacavelmente cortantes, como se ficou sabendo quando o telegrama de
março de 1964, desdobrado em cinco partes, do embaixador à cúpula do
governo americano foi revelado —, os EUA interferiram nos acontecimentos
políticos do Brasil, embora nem tenha dado tempo de bancarem de fato os
golpistas com a Operação Brother Sam. Agora, a nova embaixadora
americana, Elizabeth Bagdley, é saudada como uma guerreira da luz por
ter dito que a próxima eleição “não será um momento fácil por causa de
muitos dos comentários dele”. “Ele”, claro, é Bolsonaro.
Qual o papel de embaixadores? Servir a seus países com discrição, fazer
unicamente declarações diplomáticas em público e só soltar as feras em
situação de guerra. A senhora Bagdley ainda nem chegou a Brasília, mas
já extrapolou suas atribuições.
Yankees,
go home também é coisa do passado quando William Burns, o diretor da
CIA — da CIA! —, se reúne em particular com integrantes do alto escalão
do governo brasileiro, em julho do ano passado, e a notícia chega à
agência Reuters nesse mês de maio. Burns também vira um ente do bem por
ter dito que o presidente deveria parar de “minar a confiança” no
sistema eleitoral. As fontes dos repórteres foram “duas pessoas
familiarizadas com o assunto”. Como não podem ser extraterrestres que
gravaram tudo sem a CIA saber, não é difícil imaginar de onde veio a
informação. Obviamente, o governo Biden quer falar duro com Bolsonaro — e
um pouco mais manso com Cuba e Venezuela. Não chega a ser surpresa.
Curiosa é a reação dos afetados pela doença infantil do antiamericanismo
em todas as instâncias, menos quando o envolvido é “ele”.
A
última dos imperialistas, se ainda é possível usar ironias, foi a
advertência da revista The Economist de que o futuro do aquecimento
global “depende em parte” de Bolsonaro ser ou não reeleito. Opiniões
sobre o presidente à parte, isso é resumidamente uma asneira. A ideia de
que alguém em Brasília controla a Amazônia, como um gênio do mal, não
combina com as análises habitualmente brilhantes da revista inglesa. É
claro que ações do governo influem, nos dois sentidos, mas o papel
atribuído à eleição presidencial não tem senso de proporção nem
cabimento.
Lincoln
Gordon escreveu no seu telegrama ter se convencido de que João Goulart
“está agora definitivamente comprometido com uma campanha para assumir
poderes ditatoriais, aceitando a colaboração ativa do Partido Comunista
Brasileiro e de outros revolucionários de extrema esquerda para este
fim”. E avisou: “Se ele vier a ser bem-sucedido, é mais do que provável
que o Brasil cairia sob o controle comunista, mesmo que Goulart
eventualmente possa esperar se voltar contra seus apoiadores comunistas,
de acordo com o modelo peronista que, acredito, ele pessoalmente
prefere”. Gordon morreu negando qualquer conspiração e o sigilo de seus
telegramas só caiu em 2004. Amassem-no ou odiassem-no, nunca abriu o
bico.
Publicado em VEJA de 1 de junho de 2022, edição nº 2791
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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