domingo, 29 de maio de 2022

Fome é consequência da política de concentração de renda, que vem aviltando os salários

 


No Brasil, a fome passou a atingir 36% das famílias

Pedro do Coutto

Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, com base em dados internacionais do Gallup World  Poll, revela que no Brasil a fome passou a atingir 36% das famílias, o que equivale a cerca de 30 milhões de pessoas, uma vez que a média familiar no país é de quatro pessoas.

Reportagens excelentes de Carolina Nalin, no O Globo, e de Fernando Canzian, Folha de S. Paulo, edições desta quinta-feira, revelaram a dimensão do problema que inclui o Brasil no Mapa Mundial da Fome.

INSEGURANÇA ALIMENTAR –  A pesquisa refere-se ao que se chama de insegurança alimentar. Sobre o assunto, o diretor da FGV Social, Marcelo Neri, acentua que o problema tem reflexos nos campos da saúde, da educação e na moradia, fatores todos convergindo para uma qualidade baixa de vida.

O Brasil estava fora do Mapa Mundial da Fome desde 2014, mas a partir de 2016 a desigualdade de renda aumentou. São capítulos, disse Neri, que fazem parte do mesmo drama. O aumento seguido dos preços, digo, em confronto com o congelamento de salários acarretou, como já houve reflexos nos supermercados, uma queda na compra de alimentos. Com isso, o problema da fome se expandiu como reflexo direto.

Em nosso país, a fome atinge mais as mulheres do que os homens numa proporção de 47% para as mulheres e de 36% para os homens, resultado que deve ser consequência do panorama que abrange o nível de emprego e de desemprego que está muito alto. O problema é gravíssimo, e é consequência da política conservadora que se baseia na concentração de renda.

JUSTIÇA SOCIAL – or falar em concentração de renda, o problema é muito maior do que a palavra desigualdade exprime. Pois desigualdade sempre haverá, mas tem que existir um mínimo de justiça social no país e no mundo. E a redistribuição de renda só se dá através do salário e do emprego.

Formas assistenciais são movimentações típicas, mas que não resolvem o problema estrutural que exige uma harmonia entre o lucro e os salários, entre a economia e as condições sociais do país. Além disso, a confiança do consumidor é abalada com o receio do prosseguimento da subida de preços, a manutenção da estagnação salarial e do índice do desemprego.

GRANDE ILUSÃO – O ministro Paulo Guedes confirmou com seus pronunciamentos em Davos que é um personagem da grande ilusão, no caso, brasileira. Traçou um panorama azul sobre a economia do país nos últimos anos e considerou que o Brasil é um porto seguro para investimentos internacionais, além de garantir que o Brasil foi o país que mais preservou o meio ambiente em 2021.

Os jornalistas presentes aos pronunciamentos ficaram perplexos. Guedes apresentou uma realidade fantasiosa e chegou a dizer que a crise mundial registrada no ano passado interessa economicamente ao Brasil, pois abre oportunidades para exportações de produtos de grande interesse de diversos países.

Chegou a afirmar que a Europa ficará isolada, provavelmente se referindo ao plano econômico, uma vez que já perdeu a Rússia. Guedes defendeu o ingresso do Brasil na OCDE e condicionou o não isolamento europeu ao fato de se integrar mais em outras regiões, especialmente a América Latina.

FANTASIAS – O ministro participou de um programa que discutia a dívida global. Profetizou que nós, no Brasil, ficamos para trás, não se referindo a nenhum período certo. Mas, agora, ele idealizou, “vamos crescer no eixo da energia verde, no plano digital e até na segurança alimentar”. Paulo Guedes criticou a França e a Bélgica, sustentando que eles barram a entrada do Brasil na OCDE por serem protecionistas na agricultura, e não levam em conta que são irrelevantes para o Brasil.

Na terça-feira, o ministro Paulo Guedes – reportagem de Luciana Coelho enviada da Folha de S. Paulo a Davos – havia sustentando que a turbulência global é uma oportunidade positiva para o Brasil – que poderia obter vantagens das incertezas na cadeia produtiva internacional. Guedes acrescentou que a turbulência global é uma benção para o nosso país. Impressionante, digo, o irrealismo que marca as atuações do ministro da Economia.

REAJUSTE  – A repórter Luciana Coelho registrou também afirmação de Paulo Guedes sobre o reajuste salarial do funcionalismo público da ordem de 5% de forma geral, uma vez que a Constituição não permite aumentos salariais diferenciados. Assim, Bolsonaro não pode destinar um aumento diferente às Polícias Federal, Rodoviária e Judiciária.

O reajuste será, portanto, linear, e se estenderá às Forças Armadas e também aos Poderes Judiciário e Legislativo. Reajuste, acrescento, muito inferior à inflação acumulada nos últimos três anos que passa de 20%. Inclusive, só em 2021, o IBGE registrou 10,2% no índice inflacionário.

Agora, no mês de maio, o IBGE encontrou (não sei como só isso) um índice inflacionário de 0,59%. Natalia Garcia, a Folha de S.Paulo de ontem, focaliza o assunto. Alguns técnicos tentando reduzir o impacto do índice, dizem que representa um freio no processo inflacionário, embora admitam que ele continuará persistente. A questão é que a inflação se acrescenta aos índices que a antecederam. Não houve recuo já que o processo inflacionário é aditivo.

CONTROLE DE PREÇOS –  A repórter Luciana Coelho, também cobrindo Davos, conversou com o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Junior. Ele disse que a inflação continuará a pressionar a economia global e do Brasil ainda este ano, fazendo com que a taxa de juros de mantenha em alta ao menos até o fim do semestre atual.

Sobre a Selic que atualmente é de 12,75%, ele acredita que chegue ao final do ano com 13,5%, uma vez que a inflação deve fechar dezembro com uma taxa de 11%. Este índice, destacou, está muito acima da meta inflacionária prevista pelo governo que era de 5%. Assim, sob o ponto de vista de Octavio Lazari, o governo errou na proporção superior a 100%.

TRABALHO VOLUNTÁRIO – A reportagem é de Renato Machado, Folha de S. Paulo. O Senado aprovou, na quarta-feira, a incrível Medida Provisória que cria no país um programa de prestação de serviço voluntário para jovens entre 19 e 24 anos, e desempregados de mais de 50 anos há pelo menos 24 meses fora do mercado de trabalho.

Também está previsto serviço voluntário para pessoas com deficiência. É impressionante o fato de o Congresso ter aprovado um projeto dessa ordem. Isso só prejudica ainda mais as relações de trabalho. O programa inclui também incentivo aos municípios, mas sem que os voluntários tenham vínculos trabalhistas. Falta sensibilidade aos políticos brasileiros.

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