O movimento ambientalista não mexeu um milímetro e continua parado nos anos 80 do século XX, bastando-lhe invocar «os interesses» para não ter de fundamentar nada do que diz. Henrique Pereira dos Santos para o Observador:
Ribeiro
Telles, Jorge Paiva, Jorge Palmeirim, Joanaz de Melo, Serafim Riem,
Francisco Ferreira, Helena Freitas, Eugénio Sequeira e Viriato Soromenho
Marques são pessoas com duas características comuns:
1.São
referências do movimento ambientalista em Portugal, com posições
fortemente favoráveis à restrição, por via regulamentar, da produção de
eucalipto;
Apesar de quase todos
serem académicos, nenhum deles, tanto quanto sei, estudou ou escreveu
uma linha de um artigo científico relevante sobre os efeitos ambientais
da produção de eucalipto.
2.Note-se
que estas características não pretendem ser, nem são, nenhum juízo de
valor sobre qualquer um dos nomeados – e poderia acrescentar muitos com
as mesmas duas características –, tanto mais que há nesta pequena lista
pessoas por quem sempre tive, e continuo a ter, um enorme respeito, como
Ribeiro Telles, e pessoas por quem não tenho respeito nenhum.
Que
pessoas tão diferentes entre si tenham posições tão semelhantes sobre a
produção de eucalipto parece indicar que essas posições correspondem a
realidades amplamente estabelecidas e consensuais.
Curiosamente, não é assim.
A
investigação sobre os impactos ambientais da produção de eucaliptos
estabelece consensos científicos – tanto quanto existem consensos
científicos, evidentemente – mas no sentido oposto ao que sempre
defenderam as pessoas citadas: “os
eucaliptos são «”plantas normais e decentes” relativamente às quais é
preciso saber “onde, quanto e como devem ser utilizadas”» para concluir
dizendo que: «Este livro contribui de modo relevante para este objetivo.»”.
Vale
a pena tentar perceber como resiste uma percepção sobre um assunto
permanentemente presente no debate público, percepção que é amplamente
dominante na sociedade, que ignora galhardamente toda a destruição
científica da argumentação que a suporta e está manifestamente errada.
Alguns
dos argumentos são muito antigos, têm raízes fundas em convicções com
mais de cem anos, como o suposto consumo de água excessiva pelo
eucalipto, de que resultou legislação de protecção das fontes.
A
aplicação desta ciência do século passado pode ser vista, por exemplo,
na Mata Nacional da Machada, no Barreiro, ao longo da ribeira do Zebro,
em cujo leito de cheia os serviços florestais plantaram eucaliptos e
acácias para secar as zonas apauladas que eram responsabilizadas pelos
surtos de malária.
Evidentemente
sem qualquer resultado próximo do que se pretendia, mas com efeitos
negativos muitos marcados na proliferação agressiva de acácias.
A ciência tem prazo de validade.
Existem
dezenas de estudos recentes sobre este assunto, todos essencialmente
com os mesmos resultados: eventuais alterações relevantes no regime
hidrológico não resultam da espécie usada na plantação, mas das técnicas
de plantação e modelo de gestão usados.
O
mesmo se pode dizer do sistematicamente referido problema da erosão, em
que todos os estudos apontam no mesmo sentido: a erosão está mais
relacionada com o modelo e as técnicas de gestão usadas que com a
espécie florestal dominante.
No
que diz respeito aos fogos, o estabelecido pela investigação sobre a
matéria é claríssimo ao atribuir à quantidade e estrutura dos
combustíveis finos, que depende essencialmente do modelo de gestão, uma
importância esmagadoramente maior que a que dá à espécie florestal
dominante no povoamento.
No
que diz respeito à biodiversidade, com certeza há larga
incompatibilidade entre eucaliptais produtivos geridos modernamente e o
óptimo de biodiversidade, mas isso não é nenhuma especificidade da
produção de eucalipto, é verdade para qualquer produção, desde batatas, a
vinhas, passando pela urbanização ou por qualquer espécie florestal: a
questão é a intensidade de uso, não é o eucalipto.
Acontece
que a afirmação do movimento ambientalista e a altura de maior expansão
da área de plantação de eucalipto coincidem no tempo, ali pelo fim dos
anos setenta e década de oitenta do século XX, numa altura em que quer o
conhecimento sobre a produção de eucalipto, quer a compreensão da
dinâmica do mundo rural que estava a ocorrer, eram relativamente
escassos.
Daqui
resultaram muitas asneiras por parte dos agentes da fileira do
eucalipto – ainda hoje se podem ver as ruínas dos eucaliptais de
Mogadouro ou da serra de Ossa, para citar dois erros monumentais dos
principais produtores de eucalipto.
E
resulta, também, a atribuição dos problemas resultantes do mau uso de
técnicas florestais à espécie usada, e não ao modelo e técnicas de
exploração aplicados.
Esta
confusão entre problemas causados pelas técnicas florestais e modelo de
gestão, com problemas causados pela presença de uma espécie, é
perfeitamente compreensível: Portugal não é um país de vocação florestal
– Viriato era pastor, não era lenhador – e não existe grande história
de florestação em larga escala com técnicas modernas.
A
florestação anterior, que levou Portugal de cerca de 10%, ou menos, de
área florestada, aos actuais 35%, mais ou menos, embora feita de forma
relativamente rápida, foi feita até meados do século XX, sobretudo com
recurso a técnicas tradicionais e muita, muita sementeira de penisco.
Dessa
florestação resultou uma área de pinhal em torno do milhão e trezentos
mil hectares, sem que desse facto resultasse uma oposição do mesmo tipo
que à expansão do eucaliptal.
Na
verdade, a frágil oposição à florestação das serras com pinheiro veio
das comunidades locais que dependiam do mato para o pastoreio e a
fertilização dos campos, ao contrário da oposição à expansão do
eucalipto, que tem uma base essencialmente urbana.
E
é a aliança entre ambientalistas e jornalistas de base urbana, com os
erros dos agentes da fileira do eucalipto, que levam ao extremar de
pontos de vista sobre o eucalipto.
O
sectarismo de parte a parte sobre a matéria foi grandemente potenciado
pelo facto de a fileira ser sobretudo produtora de pasta, isto é,
servindo clientes industriais que decidiam as compras com critérios
técnicos, e não clientes finais, circunstância que libertou a indústria
de celulose da canseira que é responder a consumidores para se defender
da má reputação pública.
Quando
a indústria da pasta – mais tarde, também do papel, o que a obrigou a
uma maior proximidade com clientes finais e mais atenção às questões
reputacionais – acordou para os problemas reputacionais entretanto
criados, que incluem uma regulamentação tecnicamente absurda e
persecutória, já o caldo estava mais que entornado.
Por
mais que a indústria, entretanto, fizesse um esforço de investigação
para identificar objectivamente os problemas ambientais que lhes estavam
associados, encontrar soluções e alterar os seus métodos de produção
para responder às exigências ambientais da sociedade, passou a bastar
invocar os interesses da indústria para negar qualquer resultado
científico que pusesse em causa as posições ambientalistas sobre o
assunto.
Os
produtores de eucalipto evoluíram, deixaram de cometer muitos dos erros
dos anos 80 do século XX, investem hoje fortemente no aumento da
sustentabilidade da fileira, mas o movimento ambientalista não mexeu um
milímetro e continua parado nos anos 80 do século XX, bastando-lhe
invocar “os interesses” para não ter de fundamentar nada do que diz.
A
discussão sobre o eucalipto deixou de ter qualquer racionalidade e
entrou directamente para o campo das discussões políticas em que a
fundamentação é secundária face à necessidade do ganho de causa
política.
Com
a entrada do Bloco de Esquerda no arco da governação, o problema
assumiu proporções tais que o país escolheu não ter nem mais um hectare
de eucalipto, por via administrativa.
Claro
que como as grandes distribuições de uso do solo resultam do processo
económico, e não da regulamentação do Estado, o único efeito real desta
regulamentação administrativa é dar vantagem competitiva à produção que
não cumpre regras porque a outra, tendencialmente a mais racional, está
proibida ou fortemente condicionada.
Vale
a pena falar de um conto exemplar e verdadeiro: um terreno com 120
hectares, dos quais 110 de eucalipto em fim de exploração e 10 hectares
de galerias ripícolas, foi objecto de um projecto de reflorestação que
previa manter os tais dez hectares de vegetação natural, reconverter 30
hectares para medronho e reflorestar 80 hectares com eucalipto.
Por causa de uma norma absurda da proibição de reflorestação com eucalipto acima dos 25% de inclinação, o projecto foi chumbado.
Há
quem ache isso óptimo porque, a longo prazo, isso permite reconverter
essas áreas mais inclinadas para outra coisa que não o eucalipto.
A
realidade é que, sendo o projecto chumbado, não há investimento (porque
não há uso alternativo que pague a gestão), e o resultado é ter 110
hectares de eucalipto caduco, inútil para a produção e para a
conservação, sem gestão, e um autêntico barril de pólvora do ponto de
vista da gestão do fogo, não havendo reconversão nenhuma.
A
situação, quer do ponto de vista económico, quer do ponto de vista
regulamentar, é tão má que hoje o país tem cerca de 850 mil hectares de
eucalipto com produtividades médias baixíssimas (poderiam facilmente
duplicar ou triplicar com investimento e conhecimento, duas coisas que
exigem o ingrediente básico do capitalismo: a confiança), dos quais meio
milhão a seiscentos mil hectares não dão palha nem dão espiga, isto é,
nem são grande coisa para a produção, nem produzem bens colectivos como
biodiversidade, gestão sensata do fogo e coisas que tais.
Pareceria
evidente que, perante esta situação, seria fácil ao país desenhar um
roteiro de intervenção no sector de modo a diminuir fortemente a área de
produção, aumentando a produtividade média e, provavelmente, a produção
de eucalipto.
O interesse da indústria é o de aumentar a produção e a produtividade.
O interesse dos produtores de eucalipto é aumentar a produtividade e a remuneração do seu trabalho.
O interesse da sociedade é o de reduzir a área que está socialmente desvalorizada com plantações de eucalipto da treta.
A
academia, a que estuda o assunto, evidentemente, não a quantidade de
académicos que se pronunciam sobre a produção de eucalipto sem lerem um
artigo científico sobre o assunto há trinta anos, diz que isto é
bastante fácil, basta ir substituindo plantações mal localizadas e mal
geridas por áreas de boa produtividade e tecnicamente bem geridas.
Mais,
as indústrias de celulose têm vários embriões de como obter este
resultado, envolvendo os proprietários e sem beliscar os seus direitos
de propriedade, quer em Álvares, quer pelos lados de Pedrógão, quer em
Mortágua, e vários desses embriões resultam na diminuição da área de
produção de eucalipto, quer por via de faixas de gestão de combustível,
pela por via da dedicação de pelo menos 10% da área à conservação da
natureza.
Só
que da parte do governo, com apoio urbano maioritário e lugar cativo
nos jornais, as soluções vão no sentido de acentuar o garrote
administrativo que tem levado à situação actual.
O
pressuposto é o de que as intervenções controladas pelo Estado defendem
melhor o interesse público que a livre troca de bens e serviços, por
parte dos participantes nos mercados associados.
Sem
pretender, provavelmente sem querer, Vítor Andrade representava, nessa
resposta, grande parte do país: não faz a menor ideia da utilidade do
que o Estado quer fazer, mas será seguramente melhor que olhar para o
fundamento económico do problema.
Tentar
resolver os problemas que tornam o mercado da produção de eucalipto
muito pouco eficiente é que é uma hipótese que nem se admite.
Que
o respeito pelos direitos de propriedade, que o carácter voluntário da
troca e que aumento da concorrência sejam promotores da confiança
essencial ao investimento necessário à gestão equilibrada da paisagem
parecem ser princípios muito menos sólidos que a ideia de que é preciso
que o Estado faça qualquer coisa, porque com as pessoas agindo
livremente não se pode contar muito.
Dizem que esta conversa ocorreu mesmo, entre o CEO de uma das celuloses e o CEO de uma das corticeiras.
O
primeiro diz que está farto de estar sempre à defesa, gostava era de
trabalhar com uma espécie como a outra com que o CEO da corticeira
trabalha.
Responde-lhe
o segundo que preferia trabalhar com uma espécie de que ninguém gosta,
mas toda a gente planta, a trabalhar com uma de que toda a gente gosta,
mas ninguém planta.
Perceber
que a decisão de plantar uma ou outra deve ser uma decisão tão livre
quanto possível, em que o Estado não mete o bedelho quando os terrenos
não são seus ou, vá lá, a não ser que a sua plantação belisque direitos
colectivos muito bem definidos e fundamentados, é que tem sido difícil.
Não
somos pobres por fatalidade, mesmo quando temos vantagens competitivas
enormes, tanto no caso do eucalipto, como do sobreiro, arranjamos
maneira de inventar sarna para nos coçarmos, pondo o Estado a tomar
decisões que não lhe competem.
Somos remediados, sim, mas por opção.
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