Imunidade parlamentar não inclui agredir a democracia e o livre funcionamento das instituições republicanas, reafirmam PGR e STF. Editorial do Estadão:
Ao
condenar o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) a oito anos e nove
meses de reclusão, pelos crimes de ameaça ao Estado Democrático de
Direito e coação no curso do processo, o Supremo Tribunal Federal (STF)
foi pedagógico. Não existe liberdade de expressão para atacar a
democracia. Não existe imunidade parlamentar para impedir o livre
funcionamento das instituições republicanas.
Por
10 votos contra 1, o plenário do STF entendeu que a conduta de Daniel
Silveira foi criminosa, isto é, que se enquadra naquelas hipóteses em
que, ao atingir bens essenciais de uma sociedade, a lei prevê a
imposição de uma pena. Os oito anos e nove meses de prisão não são
desproporcionais, mas estrita aplicação da legislação a que todos os
cidadãos estão sujeitos.
No
processo, nada houve de perseguição política. Foi apenas o Estado, por
meio de suas instituições, cumprindo seu papel de impedir que condutas
consideradas criminosas pela lei fiquem impunes. Ao contrário do que os
bolsonaristas dizem, não foi o Supremo que, num rompante autoritário,
investigou, denunciou e puniu Daniel Silveira. A acusação contra o
deputado bolsonarista não foi apresentada pelo ministro Alexandre de
Moraes, e sim pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Foi ela quem
primeiro entendeu que a atuação de Daniel Silveira havia sido criminosa.
É
sintomático que o bolsonarismo, tão afeito ao punitivismo – sua
retórica é sempre de aumento da pena –, tenha se mobilizado, de forma
tão intensa, pela impunidade de Daniel Silveira. Não era apenas que “um
dos nossos” estava sendo julgado por sua conduta tresloucada. Foi a
própria tática política do bolsonarismo, de agressão contra as
instituições, que estava no banco dos réus. Daí a importância do
julgamento de quarta-feira passada: o Estado Democrático de Direito, por
meio de suas instituições, reconheceu que a política também está
sujeita a regras e a limites. Não é um vale-tudo, não é um mundo sem
lei.
A
atividade parlamentar dispõe de prerrogativas constitucionais. Como é
próprio de um regime democrático, “os deputados e senadores são
invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões,
palavras e votos” (art. 53 da Constituição). No entanto, ameaçar e
agredir não é uma opinião: é crime. E não cabe usar a imunidade
parlamentar como “escudo protetivo para a prática de atividades
ilícitas”, lembrou Alexandre de Moraes.
Eis
a confusão que o bolsonarismo deseja instaurar. Para seus atos, almeja
irrestrita impunidade. Tudo estaria dentro de um amplíssimo conceito de
liberdade, para fazer e dizer o que bem entender, num cenário de
completa irresponsabilidade. Para os outros, a liberdade seria
inteiramente diferente, muito mais limitada. A mera crítica ao
presidente da República já foi motivo para que o governo Bolsonaro
solicitasse a instauração de inquérito policial contra opositores. É
tudo uma grande incoerência. O mesmo deputado bolsonarista que gostaria
que seus crimes estivessem protegidos pela imunidade parlamentar defende
a edição de um novo AI-5, justamente o ato da ditadura que suspendeu
importantes garantias constitucionais.
Há
liberdade no País e, precisamente para que possa continuar havendo
liberdade, é preciso ter lei. “A liberdade de expressão existe para a
manifestação de opiniões contrárias, para opiniões jocosas, para
sátiras, para opiniões inclusive errôneas, mas não para imputações
criminosas, para discurso de ódio, para atentados contra o Estado de
Direito e a democracia”, afirmou Moraes.
Além
de pedagógico sobre os limites da liberdade, esse processo judicial põe
por terra uma falácia bastante difundida entre bolsonaristas. O que se
tem no País hoje não é uma disputa entre STF e Jair Bolsonaro, como se o
Supremo perseguisse politicamente o bolsonarismo. O Congresso autorizou
a prisão preventiva de Daniel Silveira. A PGR denunciou o deputado. Até
o ministro André Mendonça votou por sua condenação. Não é perseguição
política, é aplicação da lei. E quem está isolado é o bolsonarismo, não o
STF.
N.
da R. – Com este texto já na página, Bolsonaro anunciou o indulto do
deputado, mostrando uma vez mais a falta de pudor do bolsonarismo em
usar o poder para acobertar os crimes dos amigos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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