BLOG ORLANDO TAMBOSI
Cedo ou tarde, a conta cairá no colo de Putin; quando o conflito terminar, pode ser o fim de seu regime. Artigo de Mario Vargas Llosa, publicado pelo Estadão:
A julgar pelas informações da imprensa, as conversas de paz entre Ucrânia e Rússia tiveram um progresso considerável nos últimos dias. A Rússia informou à Ucrânia que ela pode ser membro da União Europeia, desde que se comprometa a não pertencer à Otan.
A Ucrânia afirmou que se submeteria a esta condição desde que três ou
quatro países independentes possam lhe assegurar sua proteção frente a
interferência russa em seu território. Na verdade, o entusiasmo parece
pouco convincente.
Em
primeiro lugar, para ser membro da UE, um país deve ser absolutamente
livre, algo que não ocorreria com a Ucrânia, já que ela só seria membro
da futura UE
sempre e quando se visse privada de pertencer à Otan, aliança de defesa
do Ocidente. E a Rússia prosseguiria não somente com a guerra, mas
também com a intervenção no seio da Ucrânia, “protegendo” as
republiquetas que ela mesma criou, para submeter o país a uma espécie de
vassalagem sistemática nos anos futuros.
Repressão
Fora
da Rússia é possível falar de uma guerra que já causou muitas mortes.
Quantas? Não sabemos. Na Rússia não se pode pronunciar a palavra
“guerra” e, se um cidadão distraído a pronuncia, vai para a cadeia.
Também foi proibido se manifestar contra a guerra. Quem o fez já está
atrás das grades.
O que os russos estão fazendo, então, na Ucrânia? Lutam contra os nazistas, segundo Vladimir Putin,
e as bombas que os russos lançam contra regiões residenciais, hospitais
e escolas são, pelo visto, puramente imaginárias. Mas a realidade é
que, passado mais de um mês da invasão, as tropas russas ainda não
conseguiram tomar Kiev nem nenhuma cidade importante da Ucrânia,
enquanto os russos perdem muitos homens e rumores que permeiam os
correspondentes de guerra afirmam que os números oficiais apresentados
por Moscou não têm nada a ver com a realidade.
A
realidade é que a Rússia, por sua vez, até onde é possível saber, está
contratando mercenários chechenos para que apoiem as forças invasoras,
que foram detidas pelos soldados ucranianos. Estes, diga-se de passagem,
têm a solidariedade de quase todo o mundo.
O único jornal que se opunha à guerra em Moscou
teve de deixar de circular pelo número de advertências que recebia das
autoridades. Na verdade, as coisas não parecem ter progredido, ainda que
o presidente dos EUA tenha tido que engolir as palavras que pronunciou
quando disse que “um homem como Putin não pode estar à frente de um
governo na Rússia”.
Os
EUA se apressaram em negar que pretendam decidir pelo povo russo os
ocupantes do Kremlin. Por outra parte, a delegação ucraniana em Istambul
advertiu seus membros a se absterem de comer comidas locais, para não
correr risco de envenenamento, como o que teria sido submetido Roman
Abramovich, um dos milionários russos e amigo ou ex-amigo de Putin.
Tudo parece indicar que a decisão de Putin de invadir a Ucrânia foi precipitada e levou toda a Europa Ocidental a
cerrar fileiras, mostrando uma unificação não testemunhada havia muitos
anos e fazendo a grande maioria dos países do mundo solidarizar-se com
os ucranianos e condenar a ação russa, a qual muitos jornalistas e
estadistas veem como uma tentativa de reconstruir o antigo império
soviético.
Uma
reconstrução que, pelo menos por agora, parece improvável, em razão da
alergia ao sistema comunista que revelam os antigos países-satélite,
salvo aqueles que têm ditaduras segundo o modelo soviético – Belarus,
por exemplo – aos quais a maioria deste bloco ideológico guarda
simpatias.
Por
outro lado, é difícil que Putin salve sua pele e se mantenha no poder
depois do fracasso de sua ofensiva militar contra a Ucrânia. Ele disse
que lutaria contra o grupelho de “nazista” que havia usurpado o Estado, e
a realidade é que Volodmir Zelenski,
que está à frente do governo ucraniano, e a totalidade de seus
ministros não parecem representar coisa semelhante, apenas conduzem um
povo valente e decidido, que recuperou a liberdade, a lutar por ela e
também pela integridade territorial de seu país.
É
isso o que desperta a imensa solidariedade com a qual os ucranianos
contam e, consequentemente, o desprestígio de Putin e dos que o seguem
na Rússia, onde, nas últimas semanas, temos visto – enfim – casos
notórios de críticas ao poder, apesar do preço que os dissidentes da
política de Putin se atrevem a pagar ser tão elevado que lembre as
brutalidades da época de Stalin.
Conspiração
É
possível que, depois dessa pancadaria, Putin saia ileso, mas não será
assim por muito tempo. Cedo ou tarde, nos engenhos entre os discretos
corredores do Kremlin, sua defenestração será conspirada, pois o
ocorrido fez a Rússia perder muitos aliados no mundo, países que haviam
sido laboriosamente seduzidos e, da noite para o dia, acabam de mostrar
solidariedade total com a Ucrânia, que consideram, obviamente, vítima do
apetite imperialista de Putin.
Este
chegou a falar das capacidades das bombas atômicas e de hidrogênio que
possui, mas o alarde que houve a respeito no mundo inteiro foi
exagerado. A Rússia não se atreverá a usar seus arsenais atômicos, pois
sabe bem que, se o fizer, imediatamente será vítima de uma réplica que
poderia asfixiar e destruir esses arsenais, ao mesmo tempo infligindo um
sério castigo à maioria de sua população.
Defesa
Essa
chantagem, por outra parte, não faz mais que enfraquecer a causa que o
povo russo parece defender em relação à invasão à Ucrânia. Ao mesmo
tempo, os dissidentes mais notórios – já encarcerados – acabam de
receber novas sentenças que, ao menos em teoria, os manteriam na cadeia
indefinidamente.
Mas
tudo dependerá de Putin seguir no poder ou ser afastado discretamente,
ao modo soviético. Tem sido observado, conforme noticia um artigo de
Pilar Bonet, no jornal El País, que os assessores de Putin que se
atrevem a propor um apaziguamento são defenestrados. Mas isso só faz
acumular as responsabilidades que pesam sobre ele depois de levar seu
país a lançar uma invasão à Ucrânia que, sob qualquer ângulo, resulta
num fiasco para a Rússia.
Isso
tem um preço que será inevitavelmente cobrado, mesmo que seja depois. E
poderá significar para a Rússia sair de uma vez por todas dessa
atmosfera sinistra que, desde a ascensão de Putin, impera no país, que
depois de uma caótica liberdade, retornou com Putin ao período
soviético, até o maiúsculo equívoco que foi a invasão à Ucrânia.
Solução
Mas
daí também poderia vir a solução para a Rússia. Putin cometeu um grave
erro, pelo qual seus inimigos o farão pagar cedo ou tarde. Tomara para a
Rússia que seja mais cedo que tarde, e o país volte a desfrutar da
liberdade (algo caótica) que tinha nos dias de Yeltsin, que, apesar da
bebedeira, era um democrata.
Mas foi lamentável que ele tenha escolhido um sucessor como Putin, que, educado pela KGB,
agora trata de reconstruir o império soviético. Mas esses delírios de
grandeza o fizeram cometer o maior erro de sua vida. Algo por que ele
terá de responder ao ver-se afastado do poder que usou tão mal e, depois
do erro cometido, pelo qual será castigado, inaugure para a Rússia um
período no qual o país recupere a liberdade e seja capaz, por fim, de
coexistir com outros países pacificamente, praticando essa democracia
pela qual clamam tantos de seus compatriotas. A guerra não acabará tão
logo. Mas seu fim pode ser também o fim da Rússia de Vladimir Putin.
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