Os ataques da extrema-esquerda às igrejas católicas se multiplicam pelo continente. Maria Clara Vieira para a Gazeta do Povo:
A
extrema-esquerda anda em pé de guerra com a Igreja Católica na América
Latina. Na última semana, a invasão liderada pelo vereador Renato
Freitas, do Partido dos Trabalhadores (PT), à Igreja de Nossa Senhora do
Rosário dos Pretos, em Curitiba, chocou os fiéis e os espectadores que
tiveram acesso às imagens.
O
episódio de repercussão nacional, que foi solenemente ignorado pelo
maior nome do PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, remete a
outros ocorridos no continente nos últimos quatro anos: no dia 1º de
maio de 2019, um grupo da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) invadiu uma
igreja dedicada à Nossa Senhora de Fátima na cidade de San Cristóbal,
Venezuela, lançando bombas de gás lacrimogênio durante uma missa cheia
de idosos.
Já
o mês de outubro de 2020 foi marcado pela destruição de duas igrejas em
Santiago, no Chile - a igreja de São Francisco de Borja e a paróquia da
Assunção -, com direito a publicação de fotos nas redes sociais dos
agressores ao lado de imagens religiosas destruídas.
Em
31 de agosto do ano passado, manifestantes picharam a catedral de
Buenos Aires, na Argentina, com frases contra a Igreja, contra o clero e
contra a Bíblia. No mês de novembro, apoiadores do regime cubano
fizeram um ato de repúdio em frente à cúria de Camaguey. O Partido
Comunista ameaçou um sacerdote de ir para a cadeia caso ele participasse
das manifestações contra a ditadura que estavam previstas.
Condenações mútuas
A
relação da Igreja Católica com a esquerda, contudo, nunca foi linear –
especialmente na América Latina. Da parte do Vaticano, convém recordar
as reiteradas e veementes condenações ao comunismo por parte dos papas
dos últimos séculos, que remontam desde os tempos de Karl Marx: em 1846,
na encíclica Qui Pluribus, o Papa Pio IX se referiu à "nefanda doutrina
do comunismo, contrária ao direito natural, que, uma vez admitida,
lança por terra os direitos de todos, a propriedade e até mesmo a
sociedade humana".
Já
na Quod Apostolici Muneris, de 1878, Leão XIII alertou contra “as
facções dos que, sob diversas e quase bárbaras designações, chamam-se
socialistas, comunistas ou niilistas", que "marchando aberta e
confiadamente à luz do dia, ousam levar a cabo o que há muito tempo vêm
maquinando: a derrocada de toda a sociedade civil”.
Finalmente,
em 1891, pelas mãos de Leão XIII, a Igreja recebe a Rerum Renovarum: o
texto fundacional do que viria se tornar a Doutrina Social da Igreja
Católica. Depois de condenar a ganância que leva ao acúmulo desmedido de
bens materiais e às injustiças sociais, o pontífice determina, contudo,
que o "erro capital" no marxismo é "crer que as duas classes são
inimigas natas uma da outra, como se a natureza tivesse armado os ricos e
os pobres para se combaterem mutuamente num duelo obstinado". "Isto é
uma aberração tal que é necessário colocar a verdade numa doutrina
contrariamente oposta”, explica.
Meio
século depois, em 1931, o Papa Pio XI reforçou que "ninguém pode ser ao
mesmo tempo bom católico e verdadeiro socialista”. Em 1937,
classificaria a Revolução Russa como um "horrendo flagelo" e o comunismo
como um "sistema cheio de erros e sofismas".
A
esquerda que emergiu das revoluções do século XX também demonstrava
suas opiniões sobre o cristianismo. Estima-se que cerca de 1900
sacerdotes católicos tenham sido mortos pelas ditaduras de Lênin e
Stálin, de acordo com um levantamento feito pela Administração
Apostólica para Católicos da Rússia do Norte da Europa. Antes que Stálin
decidisse "tolerar" a Igreja Ortodoxa Russa (depois de perceber que
perdia apoio entre seus fiéis), o sanguinário ditador jogou o
cristianismo na clandestinidade: durante os expurgos da década de 1930,
pelo menos 100 mil pessoas foram condenadas e executadas por manterem
alguma relação com a Igreja.
Décadas
depois, Mao Tsé Tung não ficaria atrás. Com sua "Decisão sobre a Grande
Revolução Cultural Proletária", publicada em 1966 pelo Partido
Comunista, declarou seus objetivos de exterminar a educação e a
religião. Como consequência, igrejas foram fechadas, demolidas ou
vandalizadas e as práticas religiosas foram proibidas. Na mesma década,
na América Latina, o guerrilheiro Ernesto Che Guevara proferiria sua
famosa frase: “Asseguro a vocês que se Cristo cruzasse meu caminho eu
faria o mesmo que Nietzsche: não hesitaria em esmagá-lo como um verme”.
João Paulo II
Se,
de um lado, o século XX viu surgir o comunismo soviético,
declaradamente anticatólico, e seus desmembramentos ao redor do mundo,
do outro, também foi terreno de complexas batalhas entre religião e
ideologia. A eleição de Karol Wojtyla, o Papa João Paulo II, para o
cargo de chefe da Igreja Católica, em 1978, marcaria o início de uma
nova fase de embates. Nascido na Polônia comandada por Moscou, João
Paulo II sabia o que significava crescer em um país onde estudar para
ser padre era um ato subversivo por si só.
Não
à toa, seu pontificado foi marcado por duras críticas à União Soviética
e ao comunismo, que ele entendia como um “mal espiritual”, mais do que
econômico, e combateu com discursos e atos. É conhecido o fato de que
Wojtyla e o presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, formariam uma
das maiores alianças de todos os tempos, a ponto de trocarem informações
essenciais para o combate ao bloco soviético.
Seria,
contudo, durante o pontificado de João Paulo II que a Teologia da
Libertação ganharia força precisamente no continente latino-americano.
Fundada em 1968 com a Conferência de Medellín, em uma década o movimento
encabeçado pelo sacerdote peruano Gustavo Gutierrez e pelo então frei
franciscano Leonardo Boff, do Brasil, entre outros, chegaria às mãos da
Congregação Para a Doutrina da Fé, para que seus documentos e ideais
fossem julgados de acordo com a doutrina católica.
O
resto é história: o prefeito da Congregação, o então cardeal Joseph
Ratzinger, que acompanhava atentamente a ação dos revolucionários de
esquerda, determinou o rechaço à Teologia da Libertação e deu ordem de
silêncio a Leonardo Boff.
Como
aponta seu biógrafo, Elio Guerriero, Ratzinger não apenas “via que a
teologia da libertação não era, em hipótese alguma, um pensamento
nascido do grito de injustiça do povo latino-americano; pelo contrário,
considerava-o um pensamento criado em laboratório nas universidades
alemãs ou americanas”. Sua posição seria endossada por João Paulo II,
que faria questão de sublinhar a importância da “opção preferencial
pelos pobres” proposta pelo movimento, sem cair nas esparrelas
revolucionárias e materialistas.
Nada
disso impediria que a Teologia da Libertação ganhasse espaço - e muito –
na América Latina. Há que se lembrar que as décadas de 1970 e 1980
foram marcadas pelo auge da ditadura militar no Brasil. Foi neste
período que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) deu
cobertura institucional às chamadas comunidades eclesiais de base
(CEBs), de onde nasceria o Partido dos Trabalhadores.
De
sua parte, João Paulo II tentava estabelecer uma relação diplomática,
mesmo com a esquerda latino-americana. Embora tenha se tornado persona
non grata na União Soviética, condição que só mudaria após a ascensão de
Mikhail Gorbachev, o papa fez história ao visitar o líder
revolucionário Fidel Castro, com quem teria estabelecido uma relação
respeitosa, a ponto de convencê-lo a permitir que o povo cubano voltasse
a celebrar as festas cristãs. Posteriormente, Bento XVI e Francisco
também seriam recebidos pelo ditador – ambos com claras mensagens contra
o regime. “Não se serve a ideologias, se serve a pessoas”, disse
Francisco, em plena Plaza de la Revolución, em 2015.
Diplomacia:
em 21 de janeiro de 1998, o papa João Paulo II foi à Cuba encontrar-se
com o ditador Fidel Castro. Os cubanos foram autorizados a celebrar
festas cristãs depois da visita (foto: Ahmed Velázquez/Granma).
Poucos
anos depois da fala, os ataques da extrema-esquerda às igrejas
católicas se multiplicam pelo continente, ainda que a relação continue a
ser complexa. O próprio Dom José Antônio Peruzzo, Arcebispo de
Curitiba, que assina a nota de repúdio contra a invasão protagonizada
pelo vereador do PT, celebrou uma missa na Catedral de Curitiba como
parte da ação "Grito dos Excluídos e Excluídas", organizado pelo
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
"A
posição da Arquidiocese de Curitiba é de repúdio ante a profanação
injuriosa. Também a Lei e a livre cidadania foram agredidas. Por outro
lado, não se quer 'politizar', 'partidarizar' ou exacerbar as reações.
Os confrontos não são pacificadores. O que se quer agora é salvaguardar a
dignidade da maravilhosa, e também dolorosa, história daquele Templo”,
diz a nota da Arquidiocese.
Há
algumas hipóteses que ajudam a explicar os ataques. À época dos atos de
vandalismo no Chile, houve quem relacionasse a destruição dos templos à
relação da Igreja Católica com a ditadura de Augusto Pinochet. Nada
justifica, contudo, os dizeres “muerte al Nazareno” na fachada de uma
delas. Ocorre que é preciso levar em conta, também, que a esquerda mudou
muito nas últimas décadas, abandonando o perfil sindical que outrora
aliou-se à Igreja na formação das CEBs e cujas pautas eram estritamente
ligadas à economia, e angariando apoiadores entre uma elite escolarizada
e, sobretudo, secularizada, que não nutre qualquer afeição pelos
símbolos religiosos associados aos novos demônios do “patriarcado” e do
“racismo estrutural”.
A
entrevista dada por Renato Freitas (PT) ao jornal O Estado de S. Paulo
é, inclusive, um retrato fidedigno desse descolamento: “É muito
contraditório: a gente construiu um espaço que, no final das contas, é
gerido por um padre branco, de olhos azuis, descendente de europeus, que
o ocupa sem a consciência do que aquilo de fato representa”, afirmou o
parlamentar. Contanto que se questionem as “estruturas” com base em
realidades materiais escolhidas arbitrariamente - como se o fato de o
celebrante ser um homem branco de olhos azuis justificasse o desrespeito
ao próprio sacerdote e todos os fiéis -, o senso de “sagrado” pode ser
solapado. Como bem diagnosticou o papa polonês elevado aos altares
católicos: trata-se de uma doença do espírito.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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