Onde estão os verdadeiros neonazis que levaram Putin a invadir a Ucrânia? Alguns dos generais na reserva da nossa praça dizem que não duvidam onde é que eles estão. Eu também não duvido mas não estão na Ucrânia. José Milhazes para o Observador:
No início era o "genocídio"
Uma
das razões que levou Vladimir Putin a ordenar a invasão do país vizinho
foi o “genocídio” da população russófono do Leste da Ucrânia, acusação
que se revelou rapidamente falsa: no lugar de saírem para a rua a fim de
saudar o “exército russo libertador”, os que restaram do “genocídio”
receberam essas tropas com armas nas mãos e atiraram por terra um dos
objectivos do ditador russo que seria ocupar o território ucraniano em
poucos dias. Sublinho: foi a parte mais russófona da Ucrânia que
aguentou os primeiros ataques e continua a resistir à investida do
“libertador”.
Aumentam
também as comparações entre o “Ocidente em geral” e a política de
Hitler na Alemanha e nos territórios ocupados. Aqui, o enfoque é virado
para a “perseguição” da cultura russa e dos russos que vivem fora do seu
país.
É
verdade que, nalguns países da antiga zona de influência soviética,
foram cometidos alguns actos de vandalismo contra símbolos e monumentos a
militares russos e soviéticos. Também é verdade que, em Itália, alguém
teve a ideia peregrina de exigir o estudo da obra de Fiodor Dostoevski
numa universidade italiana e também aconteceu que algumas orquestras se
recusaram a tocar obras de compositores russos como a “Abertura Solene
de 1812” de Piotr Chaikovskii.
Mas isto são casos muito pontuais e foram rapidamente condenados pela opinião pública ocidental.
Todavia,
a propaganda oficial, incentivada por Vladimir Putin e os gângsteres
que dirigem a Rússia, compara isso à política nazi dos anos 30 do século
XX. O ditador afirma perante as câmaras de televisão: “A famigerada
cultura da proibição transformou-se na proibição da cultura, dos
anúncios dos concertos apagam os nomes de Chaikovskii, Shostakovitch,
Rakhmaninov, proíbem-se os escritores russos e os seus livros. Na última
vez que semelhante campanha de massas aconteceu para destruir a
literatura incómoda foi feita há quase 90 anos atrás pelos nazis na
Alemanha”?
Mas
ele não apresentou um exemplo concreto. É o costume, a velha política
do “apanha que é ladrão”, pois quantos monumentos, templos, museus e
bibliotecas foram bombardeadas e destruídas pelas tropas russas na
Ucrânia? Aliás, em muitos museus e bibliotecas ucranianas destruídas
estavam obras e livros de autores russos. Isto mostra até que ponto o
invasor assassino está preocupado com o tão apregoado “mundo russo”.
Quanto
aos desportistas, músicos e intelectuais que foram despedidos ou
afastados de organizações culturais ocidentais ou de torneios
desportivos internacionais por defenderem a invasão da Ucrânia,
considero uma medida acertada, pois trata-se de fazer a apologia de uma
guerra criminosa e sangrenta, que não tem qualquer explicação racional.
Agora é o “neo-holocausto”
Se o padrinho diz mata, os gângsteres apressam-se a gritar esfola.
“O
dia 21 de Março foi proclamado pela ONU como o Dia Internacional da
Luta pela Liquidação da Discriminação Racial. Por muito triste que seja,
este tema é mais actual do que nunca”, declarou Tatiana Moskalkova,
comissária dos Direitos Humanos da Rússia, acrescentando que “nós
observamos em todo o mundo a violação sem precedentes dos direitos dos
russos devido à sua nacionalidade. As envergaduras da russofobia são tão
inéditas que a este fenómeno se pode chamar um novo neo-holocausto:
quando tudo é feito para espezinhar a nossa cultura, as tradições, o
homem como tal. Uma desumanização total”.
Esta
“Goebbels de saias” poderia preocupar-se com as violações permanentes
dos direitos humanos, com as perseguições dos opositores políticos, com a
censura total, com as condições desumanas nas prisões, com as torturas
praticadas pela polícia no seu país, mas isso são insignificâncias em
comparação com a tarefa de salvar o “mundo russo”.
O
que antes da invasão da Ucrânia pareciam declarações delirantes de
teóricos da extrema-direita mais obscurantista e ortodoxa russa (também
no sentido religioso) hoje torna-se o discurso oficial do Kremlin.
Por
isso, deixo aqui uma pergunta: onde estão os verdadeiros neonazis que
foram um dos motivos para Putin invadir o país vizinho? Alguns dos
generais na reserva e analistas políticos da nossa praça dizem, há já
uns tempos, que não duvidam onde é que eles estão. Tal como eles, eu
também não duvido que eles estão algures, mas não na Ucrânia.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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