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Mais preocupados com suas conveniências eleitorais, os políticos que prometeram lutar por uma canidatura única capaz de quebrar a polarização Lula-Bolsonaro dividem o centro e acabam fortalecendo os extremos. Sérgio Pardellas para a revista Crusoé:
A
polarização entre Lula e Jair Bolsonaro, presente hoje na corrida
presidencial, já se desenhava em fevereiro de 2018, a seis meses da
homologação das candidaturas, como agora. Àquela altura, o petista
aparecia em primeiro lugar nas pesquisas ao Palácio do Planalto, com 34%
das intenções de voto contra 18% do então candidato do PSL – em 1º de
setembro, o Tribunal Superior Eleitoral tornaria Lula inelegível com
base na lei da Ficha Limpa, o que o levou ser substituído na chapa por
Fernando Haddad. Os demais concorrentes, como Ciro Gomes, do PDT,
Geraldo Alckmin, do PSDB, e Alvaro Dias, do Podemos, oscilavam entre 4% e
7%.
Por
mais que a candidatura de Bolsonaro ainda fosse encarada pela classe
política como uma chuva de verão, aos poucos a tempestade perfeita que
levou à eleição do atual presidente ganhou forma. O resto é história.
Entre os mais experientes políticos, o diagnóstico a respeito do triunfo
de Bolsonaro nas urnas era dito quase que em uníssono: para além de
todas as circunstâncias políticas que levaram ao surgimento do
bolsonarismo, a fragmentação das demais candidaturas teve peso decisivo
para que uma alternativa aos dois extremos não estivesse no segundo
turno.
Para
evitar a repetição do mesmo cenário em 2022, pregavam as mesmas vozes,
seria necessária a união em torno de um tertius, alguém que entre todos
se mostrasse mais capaz de afastar o risco da volta de Lula ou da
reeleição de Bolsonaro. De lá para cá, tem havido mais sabotagem à
chamada terceira via do que propriamente ações para torná-la realidade. O
resultado é que, de novo, faltando seis meses para o registro das
candidaturas, Lula e Bolsonaro são os favoritos para duelarem nas
eleições – há chances de o petista ser eleito até mesmo em primeiro
turno.
Os
movimentos políticos empreendidos durante esta semana são ilustrativos
da verdadeira preocupação dos dirigentes partidários: a maioria parece
mais interessada em fazer prevalecer suas conveniências particulares e
eleitorais do que em se empenhar, de fato, em construir uma opção
viável. Políticos que até outro dia prometiam apoiar o candidato que
estivesse mais bem colocado nas pesquisas estimulam candidaturas que
exibem hoje pouca musculatura eleitoral e ajudam a dividir o eleitorado
refratário a Lula e Bolsonaro.
Cabeças
coroadas do PSDB, por exemplo, têm contribuído firmemente para a
reprodução do mesmo cenário de quatro anos atrás. Na noite de
terça-feira, 8, a ala derrotada por João Doria nas prévias da legenda se
reuniu para decidir quem apoiar à Presidência. Se até recentemente os
dissidentes falavam em aguardar até março ou abril para ver se o
governador de São Paulo avançava nas pesquisas, agora eles defendem
abandoná-lo à própria sorte desde já, pois acreditam que sua situação é
irreversível – o tucano, hoje, está empacado com 3% das intenções de
voto.
Entre
os presentes ao encontro, realizado na casa do ex-ministro Pimenta da
Veiga, em Brasília, havia tucanos que até recentemente pregavam em
público a convergência em torno de um nome com mais viabilidade no campo
da terceira via. Agora, não bastasse apresentar como alternativa a
Doria candidatos que ainda engatinham nas pesquisas assim como ele, há
um racha até mesmo entre os dissidentes: um grupo, liderado pelo senador
Tasso Jereissati e por José Aníbal, defende o apoio a Simone Tebet, do
MDB. O outro ainda sonha com a candidatura do governador do Rio Grande
do Sul, Eduardo Leite, derrotado por Doria nas prévias tucanas – seja
pelo próprio PSDB ou pelo PSD de Gilberto Kassab.
O terceiro grupo, ligado ao deputado Aécio Neves, não quer candidatura
alguma. Prefere privilegiar a formação de uma portentosa bancada na
Câmara. “Foi um jantar de derrotados, com todo respeito. Todos eles
foram derrotados nas prévias. O PSDB é maior do que cinco pessoas”,
criticou Doria.
Alvo
do convescote tucano, Doria tem um passado que, de certa forma, tira
sua autoridade para falar de seus colegas de partido. Em 2018, coube ao
atual governador paulista iniciar dentro do PSDB o processo de
cristianização do então candidato presidencial Geraldo Alckmin, ao criar
o movimento BolsoDoria – Bolsonaro para presidente e ele mesmo para o
governo. No final de setembro do ano passado, em jantar em São Paulo com
a presença do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta e do hoje
pré-candidato do Podemos à Presidência, Sergio Moro,
Doria se dispôs a abrir mão da candidatura caso algum deles se
mostrasse mais competitivo nos primeiros meses de 2022. Ao que tudo
indica, no entanto, a promessa não será cumprida – atualmente, Moro
figura nas pesquisas com 9% das intenções de voto, o triplo do tucano, e
não há qualquer sinal de que ele deixará a disputa por vontade própria.
Para
reverter o quadro de estagnação, o pré-candidato do PSDB espera contar
em sua aliança com o Cidadania, presidido por Roberto Freire. Um dos
artífices da pretensa candidatura de Luciano Huck ao Planalto, Freire
sempre se apresentou como um ardoroso defensor da candidatura de
terceira via, como contraponto a Lula e Bolsonaro. Porém, ao defender a
composição de uma federação do Cidadania com o PSDB, ele na prática
contribui para aprofundar a divisão entre os candidatos de centro. O
martelo será batido durante a reunião do comando da legenda que está
marcada para o próximo dia 15. Indagado se sua posição não joga contra a
união da terceira via, Freire minimizou o problema. “Os partidos estão
colocando nomes para que participem do diálogo apresentando suas
alternativas. É um processo. Há continuidade de diálogo, seja falando em
federação, seja debatendo candidatos”, disse.
Se
conseguir atrair o Cidadania, Doria espera se cacifar para incorporar à
sua aliança o União Brasil, que já esteve próximo de filiar Sergio
Moro. Ocorre que, pelo jeito, e por causa da intervenção de ACM Neto, a
legenda nascida a partir da união do DEM com o PSL prefere perder a
eleição presidencial a apostar, desde agora, em algum dos nomes.
“Infelizmente, com o cenário polarizado entre petistas e bolsonaristas,
estamos vendo novamente o empobrecimento do debate. Em vez de disputa de
projetos, guerra de indivíduos”, lamenta Eduardo Mufarej, fundador do
movimento de renovação política Renova BR.
Gilberto
Kassab, cacique do PSD, é outro que vinha adotando o discurso em favor
de uma alternativa à polarização. Agora, ele ensaia filiar ao partido o
ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung — que sempre esteve
empenhado em articular uma opção capaz de unir o que ele próprio chama
de “centro expandido” — e uma das opções à mesa, ainda que pouco
provável, é lançá-lo à Presidência. Antes, já vendo a candidatura de
Rodrigo Pacheco naufragar, Kassab cogitou trocá-lo por Eduardo Leite,
caso o gaúcho topasse ingressar em seu partido. Mas, enquanto faz esse
movimento, o presidente do PSD não se constrange em flertar publicamente
com Lula. Os dois estiveram juntos na segunda-feira, 7, na sede do PT,
em São Paulo. O cálculo é óbvio. De olho em um naco de poder em um
eventual governo Lula, e acreditando que a corrida parece definida,
Kassab começou a achar mais interessante – e mais lucrativo
politicamente – apoiar o petista já no primeiro turno. Em pelo menos
nove estados, PSD e PT estão juntos. A dúvida é sobre se uma aliança
desde já não atrapalhará mais do que ajudará a fazer uma bancada de
parlamentares robusta. Ou seja: mais um enrosco.
A
distópica vitória de Jair Bolsonaro em 2018 teve como bases o uso das
redes sociais como instrumento político-eleitoral, o apoio de setores do
conservadorismo presentes na classe média urbana e nos grotões do país,
o reforço dos que acreditavam na condução liberal da economia e o voto
maciço do eleitorado antipetista no candidato que parecia jogar no
terreno da defesa da ética e do combate à corrupção, enquanto a classe
política era desmoralizada pela Lava Jato. Com o completo abandono
dessas bandeiras por Bolsonaro, parte desse eleitorado ficou órfão, em
busca de alternativa. Assim, abriu-se um clarão para a terceira via. Com
a divisão entre os candidatos que poderiam ocupar esse espaço, essa
oportunidade histórica está sendo jogada fora.
Para
Paulo Hartung, ele próprio alçado à condição de peça desse complicado
xadrez, ainda há tempo de evitar o desastre. “Estamos na antessala do
processo eleitoral”, afirma. O ex-governador avalia que o alto número de
indecisos nas pesquisas espontâneas recentes indica que ainda há espaço
para o crescimento de um terceiro candidato. Quando os nomes dos
candidatos não são apresentados pelos entrevistadores, cerca de 40% dos
eleitores dizem ainda não saber em quem votar para presidente. Desse
total, quase 60% são mulheres. “Ainda é possível mudar o jogo. Sobretudo
porque as mulheres, em sua maioria indecisas hoje, costumam definir
eleições no país”, aposta Hartung. Para que isso aconteça, porém, é
preciso tirar os sabotadores do tabuleiro.
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