Ergueu-se sistematicamente contra a mania revolucionária de querer inventar um homem novo. Via, na senda de Aristóteles, o homem como uma realidade definida, não como uma plasticina moldável. Afonso Moura para o diário português Observador:
Não
sou a pessoa mais indicada para escrever sobre Olavo de Carvalho.
Ponderei até se deveria fazê-lo. Porém, face ao silêncio, à caricatura e
à telegráfica menção da sua morte, constatei um vazio, principalmente
deste lado do Atlântico. As linhas que se seguem deverão ser vistas como
uma ajuda para colmatar esse vazio.
Olavo
de Carvalho (1947-2022) foi um pensador que conseguiu criar seguidores,
entusiastas ou mesmo acólitos. Este facto, por si só, merece destaque: é
raro encontrarmos pensadores com tanto impacto na vida de tanta gente.
Nunca fui olavista – não devesse eu tanto a Maquiavel e não tivesse
Olavo escrito Maquiavel ou a Confusão Demoníaca – mas não creio que seja
um crime moral sê-lo, ou tê-lo sido. Olavo de Carvalho é um produto
genuinamente brasileiro; estou certo que na África lusófona, como em
Portugal, existem pessoas que se reclamarão do Olavismo, mas serão
sempre poucas em comparação com as da sua terra natal, mesmo
proporcionalmente.
Olavo
foi um homem do Novo Mundo, certamente encantado com a velha Europa mas
ao mesmo tempo distante dela. Como se a travessia do Atlântico nos
fizesse perder alguma coisa pelo caminho, não desembarcamos no Rio de
Janeiro como embarcámos em Lisboa. O homem que mais fascinou Olavo teve
que abandonar a Europa devido à Segunda Guerra Mundial; seu nome era
Otto Maria Carpeaux. A sua obra História da Literatura Ocidental marcou
Olavo de Carvalho grandemente. Cremos que ele nunca perdoou à Europa o
que esta fez a Carpeaux, mesmo se o Brasil foi o grande beneficiado.
Olavo
foi um jornalista. Fino observador da mídia no seu país, rapidamente se
apercebeu que a esquerda estava bem presente e que a direita pouca
relevância tinha. O jornalista brasileiro reconheceu grande mérito a
Antonio Gramsci. Através dele compreendeu que a verdadeira batalha não é
a das urnas, mas sim a das mentes. Se a voz da direita é inaudível na
televisão, ilegível nos jornais e rara no meio universitário,
dificilmente poderá governar o país.
Existiram
e existirão governos de “direita”, mas enquanto estes se submeterem ao
magistério moral da esquerda, serão de direita só de nome. Os membros
desta “direita” são conhecidos no país de adopção do brasileiro como
RINOs (Republicans in name only – Republicanos só de nome).
O
exilado brasileiro debateu com Alexandre Dugin, eminentíssimo
geopolitólogo russo. Fazê-lo requer coragem, coisa que não faltava a
Olavo. Benjamin Teitelbaum escreveu um livro que aborda Steve Bannon e
os outros dois – War for eternity: inside Bannon’s far-right circle of
global power brokers (nossa tradução: Guerra pela eternidade: dentro do
círculo de extrema-direita dos fazedores de reis globais de Bannon).
O
livro de Teitelbaum tem algum mérito, principalmente para aqueles que
vivem num imaginário americanocêntrico e desconhecem quem é Alexandre
Dugin e quem é Olavo de Carvalho. Contudo, alguém que conheça
decentemente a Filosofia Política e a Geopolítica pouco extrairá da obra
do americano. Teitelbaum informa-nos honestamente na sua author’s note
de que a sua interacção com Dugin e com Olavo foi mais limitada do que
com Bannon.
Olavo
foi católico. E este foi o seu maior pecado segundo os guardiães do
templo. Ele voltou a colocar uma questão que atravessou todo o século
XIX e grande parte do século XX: é o catolicismo compatível com o
liberalismo? A sua resposta foi negativa.
Isso
colocou Olavo de Carvalho numa posição que, na História das Ideias
Políticas, é muito mais a posição do contra-revolucionário do que a
posição do tradicionalista. O seu combate contra o comunismo e os seus
poderosos tentáculos corrobora essa realidade.
Rejeitou
os princípios da Revolução Francesa e combateu o espírito
revolucionário em todas as suas formas. Escreveu e orou – nos dois
sentidos da palavra, falar e rezar – contra aquilo que Zygmunt Bauman
descreveu como a modernidade líquida, contra as forças dissolventes que
minam as ligações sociais e comunitárias.
Contrariamente
a muitos outros praticou aquilo que pregou. Deixou oito filhos e nunca
virou a cara à luta, por mais difícil que o entorno se apresentasse.
Ergueu-se, sistematicamente, contra a mania revolucionária de querer
inventar um homem novo. Via, na senda de Aristóteles, o homem como uma
realidade definida, não como uma plasticina moldável.
Se
Carpeaux o fascinou, foi Lénine que o inspirou e Taine que o moldou. A
sua ida para os Estados Unidos foi inspirada por uma ideia do
revolucionário russo – a revolução faz-se desde o estrangeiro. Como a
sua abordagem a Gramsci já entrevia, nunca teve medo de aprender com o
adversário ideológico. Insistia minuciosamente que os pensadores
socialistas deveriam ser lidos e estudados, não ignorados como uma
grande parte da direita apregoava.
À
argúcia de Lénine tem que ser acrescentada a mundividência de Taine. O
historiador francês, autor das Origens da França Contemporânea, foi um
modelo para Olavo. A sua explicação da Revolução Francesa e a sua
maneira de escrever a História sempre induziram no brasileiro um enorme
respeito e uma admiração cristalina.
Taine
foi, na nossa modesta opinião, aquilo que fez de Olavo de Carvalho um
contra-revolucionário heterodoxo. A ortodoxia contra-revolucionária –
que podemos ler em Joseph de Maistre, Louis de Bonald ou Donoso Cortés –
não era aplicável ao século do jornalista brasileiro. Assim, ele teve
que a adaptar para lidar com os problemas do seu próprio tempo.
É
igualmente Taine a chave para compreender a opinião positiva que
alcançou em relação aos Estados Unidos. Através do francês ele conseguiu
compreender a esterilidade de uma tentativa de regressar a um ponto do
passado. A isto terá de se acrescentar que Olavo deixava transparecer na
sua visão da História uma diferença capital entre as duas revoluções do
século XVIII. Enquanto a francesa havia sido maligna a americana havia
sido, pelo menos parcialmente, benigna. Aqui encontramos aquele corte
clássico entre Edmund Burke e Thomas Paine. O brasileiro colocar-se-ia
ao lado do primeiro, não do segundo.
Olavo
foi menos do que os seus fanáticos dizem, mas foi mais do que os seus
adversários defendem. Para o julgar correctamente será necessário lê-lo e
ouvi-lo. Nadou contra a corrente e alavancou a mudança num país
complexo e indomável. O Brasil do primeiro terço do século XXI não
poderá ser compreendido sem ele. A próxima década continuará a opor os
seus fiéis aos seus detractores.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário