BLOG ORLANDO TAMBOSI
Questionar os conceitos do identitarismo não é o mesmo que relativizar o Holocausto. Lygia Maria para a FSP:
Em
jornalismo, há uma regra chamada fairness ("equidade", em português)
que é conhecida como "ouvir os dois lados" sobre uma questão — o que não
significa dar o mesmo peso aos dois lados. Fairness é um método de
investigação: ouvem-se os dois lados para conhecer melhor o objeto, mas,
no texto, o jornalista precisa explicitar qual é a visão unânime, ou
mais aceita, no campo investigado.
Em
um texto sobre astronomia, não faz sentido dizer que a Terra talvez
seja plana porque há leigos que acreditam nisso. O mesmo vale para a
política editorial: não é justificável publicar artigos defendendo que a
Terra é plana. Em ciências exatas, é mais fácil encontrar consensos
sobre determinados objetos (há imagens provando que nosso planeta é um
globo, por exemplo).
Porém,
algo diferente se verifica nas ciências humanas. O conceito de
"mais-valia", criado há mais de 100 anos por Marx, ainda não é
unanimidade no campo da economia. Imagine, agora, conceitos bem mais
recentes, como "racismo estrutural", "lugar de fala", "gênero neutro"
etc.
Criticar
o conceito de "mais-valia" não implica apoiar exploração de
trabalhadores, quer dizer apenas que esse não seria o melhor conceito
para abordar a questão. Da mesma forma, criticar o conceito de "racismo
estrutural" não significa negar a existência do racismo, apoiá-lo ou
relativizá-lo. Esses conceitos ainda estão em disputa no campo das
ciências humanas e a imprensa acerta ao dar espaço para esse debate.
Assim, a carta aberta de jornalistas da Folha
contra a publicação de artigos de Antonio Risério e Demétrio Magnoli
comete falácia retórica quando iguala críticas a conceitos/práticas do
identitarismo — realizadas por esses pesquisadores — à relativização do
Holocausto (um fato histórico documentado) e ao terraplanismo (uma
crença irrelevante para a ciência). A imprensa não é intocável e deve
ser criticada, mas sem moralismos e com honestidade intelectual.
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