BLOG ORLANDO TAMBOSI
Eles esqueceram um pequeno detalhe: os anões. Uma vez aberta, a caixa de Pandora da lacração identitária liberta forças que rapidamente saem do controle. Luciano Trigo para a Gazeta do Povo:
Hollywood
resolveu filmar uma nova versão, live action (com atores), da história
da Branca de Neve e dos Sete Anões, imortalizada na animação de Walt
Disney de 1937 (por sua vez inspirada em um conto dos Irmãos Grimm de
1812).
Pois
bem, para o papel principal foi escalada uma atriz “latina”, Rachel
Zegler. “Latina”, no miscigenado Brasil, não quer dizer muita coisa, mas
nos Estados Unidos é considerada uma etnia à parte. Imagino que, ao
escalarem uma atriz de origem colombiana para o papel de Branca de Neve,
os produtores devem ter imaginado que iam ganhar o Oscar da lacração:
“Vejam como somos ousados, virtuosos e politicamente corretos! Escalamos
uma atriz latina – latina! – para interpretar a Branca de Neve! Esse
filme vai bombar!”
Uma
vez aberta, a caixa de Pandora da lacração identitária liberta forças
que rapidamente saem do controle. O problema é que, inevitavelmente,
essas forças entram em rota de colisão umas com as outras, porque cada
grupo identitário que se vê com direitos diferenciados olha para os
demais como inimigos em potencial. Em um mundo dividido em grupos que
competem por privilégios e se ofendem facilmente, jamais será possível
agradar a todos.
Quem
com lacre lacra com lacre será lacrado. A Branca de Neve latina foi
concebida para agradar e dar representatividade à comunidade latina nos
Estados Unidos, mas a própria ideia de refilmar o conto de fadas pareceu
inconcebível para a comunidade dos anões – ou, ao menos, para um anão
muito representativo, o ator Peter Dinklage, que ficou famoso como o
Tyrion Lannister da série “Game of Thrones”.
Em uma entrevista, nesta semana, Dinklage se mostrou chocado com o projeto da refilmagem da Branca de Neve:
“Literalmente
sem querer ofender ninguém, mas fiquei um pouco surpreso: eles ficaram
muito orgulhosos de escalar uma atriz latina como Branca de Neve – mas
ainda estão contando a história de Branca de Neve e dos Sete Anões… Não
faz sentido para mim. Querem ser progressistas, mas ainda filmam aquela
história retrógrada sobre sete anões vivendo juntos em uma caverna?”
Pois
é, coisas que pareceriam impensáveis ou simplesmente ridículas 10 anos
atrás hoje são rotineiras – e ai de quem estranhar: será imediatamente
julgado, condenado e esfolado nos tribunais de justiça sumária das redes
sociais. Uma dessas coisas é um ator anão, que ficou famoso
interpretando um personagem anão, achar ruim refilmarem a história da
Branca de neve e dos sete anões.
Aliás,
Tyrion Lannister era um personagem cínico, misógino, machista,
preconceituoso e politicamente incorreto ao extremo – muito pior como
ser humano que qualquer um dos Sete Anões. Tyrion era um personagem de
ficção. Atchim, Dengoso, Dunga, Feliz, Mestre, Soneca e Zangado também
são personagens de ficção, que já encantaram crianças de muitas
gerações. Mas, por ser anão, Peter Dinklage julga ter autoridade moral
para censurar e proibir a refilmagem de um conto de fadas.
O
problema não acaba aí. A Disney julgou necessário responder às críticas
de Dinklage – mas respondeu de uma forma que deve ter feito seu
fundador, Walt, se revirar no túmulo. Pagando pedágio para a lacração, a
gigante do entretenimento se apressou a divulgar que a nova versão dos
Sete Anões “fugirá dos estereótipos da animação original” (oi?) e que
terá consultoria de “membros da comunidade do nanismo”. Já se fala que
os anões serão substituídos por um grupo de “criaturas mágicas”...
Que
estereótipos seriam esses? A Disney não explicou. O que fica claro é
que a nova versão da Branca de Neve representará mais um passo no
perigoso projeto de reeditar o passado que parece mover o fascismo
identitário – projeto que conta com o apoio incondicional da academia e
da grande mídia, principais patrocinadores da cultura do cancelamento.
Mas,
superado o problema com os anões, nada impede que o filme seja
cancelado por outros grupos. Por exemplo, que história é essa de uma
mulher depender do beijo de um príncipe encantado para acordar do
feitiço? Trata-se claramente de um estereótipo heteronormativo e
machocêntrico e tem tudo para desagradar às feministas. Talvez a Disney
resolva também excluir o príncipe e o beijo da história...
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