A guerra ficou mais próxima na Ucrânia. Mas não é inevitável. Tudo dependerá da coesão dos aliados ocidentais. Editorial do Estadão:
O
barril de pólvora está armado. Na última semana, mais e mais brigadas
russas estacionaram nas fronteiras com a Ucrânia. O governo ucraniano
sofreu ataques hackers e há evidências de uma operação engatilhada para
permitir à Rússia alegar que suas tropas foram atacadas por Kiev. Os
“tambores de guerra” começaram a soar, disse um diplomata americano. Os
EUA e seus aliados deixaram claro que não deslocariam tropas para a
Ucrânia. Mas foram bem menos claros quanto às sanções para a Rússia. Os
esforços diplomáticos para desescalar as tensões falharam. As chances de
uma guerra aumentaram. Mas ela não é inevitável.
Ainda
hoje é difícil saber as reais intenções de Vladimir Putin. Suas
demandas oficiais são impraticáveis: que a Otan não aceite novos membros
e remova suas forças de países que compunham o antigo Pacto de
Varsóvia.
Se
a agressão fosse iminente, seria de esperar uma campanha massiva de
propaganda doméstica, como na invasão da Crimeia, em 2014. Mas isso não
está acontecendo, e não há sinais de um suporte amplo na Rússia. Além
disso, os riscos são altos: uma invasão teria altos custos econômicos. A
Ucrânia, mesmo não sendo capaz de conter uma invasão, pode oferecer uma
resistência longa, sangrenta e onerosa. A popularidade de Putin está em
baixa, e eventuais reveses poderiam precipitá-la ainda mais.
A
Otan falou em consequências “severas” e está enviando equipamentos
militares à Ucrânia. Também ofereceu à Rússia tópicos de compromisso,
como limites no emprego de mísseis ou exercícios militares.
Os
aliados discutem uma lista de gatilhos retaliatórios. Ao mesmo tempo,
deram sinais preocupantes de desarmonia, que só favorecem a ameaça (ou o
blefe) de Putin. O presidente francês, Emmanuel Macron, conclamou os
europeus a realizar uma “proposta europeia” para a Rússia. Joe Biden
confessou publicamente que uma “incursão menor” da Rússia provocaria
desacordo entre os aliados sobre a resposta. A Rússia responde por quase
metade das exportações de petróleo para a Europa, especialmente para a
Alemanha. O chanceler Olaf Scholz disse vagamente que sanções envolvendo
o petróleo ou o bloqueio de sistemas bancários – as principais
ferramentas para retaliar economicamente Moscou – só deveriam ser
discutidas após uma invasão.
Se
é difícil antecipar as táticas de Putin, sua estratégia está sempre
relacionada ao colapso da União Soviética e o anseio de restaurar a
Rússia como uma superpotência global. Uma autocracia forte em casa
cercada por uma periferia de Estados subservientes é chave nessa
estratégia. Em seus cálculos, uma ocupação bem-sucedida talvez viesse a
revitalizar o nacionalismo russo disseminando confusão entre seus
adversários.
Mas,
se perder a aposta, pode cimentar o senso de identidade e soberania
ucraniano, galvanizar a Otan e deteriorar sua sustentação em casa. A
humilhação, além de tudo, simbolizaria uma vitória geopolítica da
democracia contra a autocracia. Mas, para isso, os aliados ocidentais
precisarão mostrar muito mais unidade do que mostraram até agora.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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