Presidente vai mal, sofre pressão de seu próprio partido e não consegue cumprir a promessa de fazer um governo muito melhor do que o de Trump. Vilma Gryzinski:
“As pessoas queriam competência e estabilidade e, em vez disso, temos incompetência e instabilidade”.
Se
uma jornalista amiga como Maureen Dowd, do New York Times, diz isso,
imaginem os inimigos. Ou mesmo o eleitor comum, que decidiu deletar
Donald Trump por seus inúmeros defeitos e dar uma chance a um político
completamente convencional, mesmo sendo um já bem próximo dos 80 anos e
da retórica dos velhos tempos. Um político no qual “vocês não vão ter
que pensar o dia inteiro”, na definição de seu ex-chefe, Barack Obama.
Perto
de completar um ano de governo, nessa quinta-feira, Joe Biden parece
perdido nos novos tempos. Achava-se um águia das negociações de
bastidores, mas não tem conseguido negociar nada, nem com os
republicanos nem com os “rebeldes” de seu próprio partido, o senador Joe
Manchin e Kyrsten Sinema, a senadora que vai ao trabalho com botas no
meio das coxas e uma inesperada vocação para defender tradições
democráticas como a de que a maioria simples não vale para legislações
que mudam fundamentos do arcabouço legal.
Enquanto
os dois senadores rebeldes pressionam pela direita, a ala de esquerda
do partido cultiva desprezo e confronto em relação ao presidente,
impedindo-o de fazer concessões aos republicanos que destravem a agenda.
Frustrado
e acuado, o presidente encerra a semana na sexta-feira e vai para sua
casa de praia em Delaware – e até os repórteres amigos computam o tempo
que passa longe da Casa Branca, quase um terço dos dias em que bate
cartão. Enquanto isso, mais de dois mil americanos morrem por dia de
Covid e as promessas de acabar com o vírus hoje parecem não só forçadas
como absurdas.
Na
política externa, um campo onde ele também se considerava um ás, a
China de Xi Jinping só dá provas de que é uma superpotência cada vez
assertiva e desafiadora. Na Rússia, Vladimir Putin está pagando para
ver: até que ponto o senhor da quarta idade aguenta a pressão que ele
está colocando na fronteira com a Ucrânia.
Depois
do serviço rápido e mal feito na retirada do Afeganistão, pouca gente
se arriscaria a colocar fichas do lado de Biden. Diabolicamente, Putin
criou uma situação em que a menor concessão que arranque será uma
vitória espetacular.
O
público vê, ou sente, tudo isso. Com inflação de 7%, recorde em
quarenta anos, gasolina cara e a fronteira com o México borbulhando de
gente que quer – e frequentemente consegue – entrar nos Estados Unidos, o
prestígio de Biden desmorona.
Mais
pesquisas vão surgir nos próximos dias, devido ao primeiro aniversário
do governo, mas as que já estão no mercado são aterradoras para Biden.
Uma da Quinnipiac University deu um índice de aprovação de 33% ao
presidente, o mais baixo de todos. A Casa Branca não resistiu a cometer o
erro clássico de contestar a metodologia da pesquisa. E ainda por cima
invocar outro órgão, o FiveThirtyEight para contrabalançar: nele, a
aprovação ao presidente está em 43%. Um índice péssimo para um governo
em estágio inicial.
Os
índices de insatisfação com o presidente apurados pela Quinnipiac
cobrem amplas camadas. Entre o eleitorado hispânico, que já foi quase
unanimemente democrata, a aprovação é de 28% e a desaprovação, 57%. Na
faixa dos jovens de 18 a 34 anos, é pior ainda: 24% a 52%. O resultado é
igual entre os eleitores independentes, que frequentemente definem
eleições apertadas.
Na administração da pandemia, a proporção é de 39% a 55%.
Biden
tomou posse dizendo que “apenas 100 dias” de uso de máscaras acabariam
com o vírus. É claro que ele, nem nenhum outro governante, pode ser
culpado por novas variantes que encheram de novo os hospitais, mas a
decepção do público é flagrante.
Biden
também tinha prometido que não instauraria a vacinação obrigatória. Não
cumpriu e baixou um decreto estabelecendo que as empresas com mais de
100 funcionários deveriam exigir atestado de vacinação. A natureza
constitucional duvidosa do decreto foi confirmada com a decisão da
Suprema Corte na semana passada de que o governo federal não tem
autoridade para estabelecer esse tipo de exigência.
O
maior interesse de Biden, para contrabalançar tantas notícias ruins, é
destravar mais um pacotaço de trilhões de dólares em investimentos
públicos. Só precisa convencer o senador Manchin de que a injeção de
dinheiro não vai alimentar ainda mais a inflação e aumentar uma dívida
insustentável. E a ala de esquerda a não bloquear concessões, que numa
vida anterior – a vida à qual ele se acostumou quando era senador –
faziam parte natural do processo.
A
vida mudou e Biden está demorando a se adaptar. Na terça-feira passada
fez um discurso raivoso, descompensado, comparando políticos
republicanos aos piores racistas do passado e chamando adversários de
“inimigos internos”. Recebeu críticas até de alguns democratas.
“Pena, raiva, decepção, constrangimento”, enumerou Maureen Dowd sobre os sentimentos que Biden tem provocado.
Despertar pena é praticamente uma sentença de morte para qualquer político.
O
presidente pode virar o jogo? Não é impossível. Segundo uma das ironias
correntes, ele conseguiu fazer “quatro anos em um”, no sentido de que
atingiu um ponto muito baixo de aprovação logo no primeiro quarto do
mandato, o que normalmente acontece lá pelo fim. Tendo chegado ao fundo
do povo, só pode começar a sair dele. Ou ainda vai continuar cavando o
buraco?
Ironicamente,
Biden está empatado, na contagem do FiveThirtyEight, com Donald Trump. O
ex-presidente tem 42,9% de aprovação contra 52,9% de desaprovação.
Eleito por não ser Donald Trump, Biden, por motivos diferentes, vai ficando parecido com ele.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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