segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Um ano de governo Biden: só notas baixas e sensação de impotência.

 



Presidente vai mal, sofre pressão de seu próprio partido e não consegue cumprir a promessa de fazer um governo muito melhor do que o de Trump. Vilma Gryzinski:


“As pessoas queriam competência e estabilidade e, em vez disso, temos incompetência e instabilidade”.

Se uma jornalista amiga como Maureen Dowd, do New York Times, diz isso, imaginem os inimigos. Ou mesmo o eleitor comum, que decidiu deletar Donald Trump por seus inúmeros defeitos e dar uma chance a um político completamente convencional, mesmo sendo um já bem próximo dos 80 anos e da retórica dos velhos tempos. Um político no qual “vocês não vão ter que pensar o dia inteiro”, na definição de seu ex-chefe, Barack Obama.

Perto de completar um ano de governo, nessa quinta-feira, Joe Biden parece perdido nos novos tempos. Achava-se um águia das negociações de bastidores, mas não tem conseguido negociar nada, nem com os republicanos nem com os “rebeldes” de seu próprio partido, o senador Joe Manchin e Kyrsten Sinema, a senadora que vai ao trabalho com botas no meio das coxas e uma inesperada vocação para defender tradições democráticas como a de que a maioria simples não vale para legislações que mudam fundamentos do arcabouço legal.

Enquanto os dois senadores rebeldes pressionam pela direita, a ala de esquerda do partido cultiva desprezo e confronto em relação ao presidente, impedindo-o de fazer concessões aos republicanos que destravem a agenda.

Frustrado e acuado, o presidente encerra a semana na sexta-feira e vai para sua casa de praia em Delaware – e até os repórteres amigos computam o tempo que passa longe da Casa Branca, quase um terço dos dias em que bate cartão. Enquanto isso, mais de dois mil americanos morrem por dia de Covid e as promessas de acabar com o vírus hoje parecem não só forçadas como absurdas.

Na política externa, um campo onde ele também se considerava um ás, a China de Xi Jinping só dá provas de que é uma superpotência cada vez assertiva e desafiadora. Na Rússia, Vladimir Putin está pagando para ver: até que ponto o senhor da quarta idade aguenta a pressão que ele está colocando na fronteira com a Ucrânia.

Depois do serviço rápido e mal feito na retirada do Afeganistão, pouca gente se arriscaria a colocar fichas do lado de Biden. Diabolicamente, Putin criou uma situação em que a menor concessão que arranque será uma vitória espetacular.

O público vê, ou sente, tudo isso. Com inflação de 7%, recorde em quarenta anos, gasolina cara e a fronteira com o México borbulhando de gente que quer – e frequentemente consegue – entrar nos Estados Unidos, o prestígio de Biden desmorona.

Mais pesquisas vão surgir nos próximos dias, devido ao primeiro aniversário do governo, mas as que já estão no mercado são aterradoras para Biden. Uma da Quinnipiac University deu um índice de aprovação de 33% ao presidente, o mais baixo de todos. A Casa Branca não resistiu a cometer o erro clássico de contestar a metodologia da pesquisa. E ainda por cima invocar outro órgão, o FiveThirtyEight para contrabalançar: nele, a aprovação ao presidente está em 43%. Um índice péssimo para um governo em estágio inicial.

Os índices de insatisfação com o presidente apurados pela Quinnipiac cobrem amplas camadas. Entre o eleitorado hispânico, que já foi quase unanimemente democrata, a aprovação é de 28% e a desaprovação, 57%. Na faixa dos jovens de 18 a 34 anos, é pior ainda: 24% a 52%. O resultado é igual entre os eleitores independentes, que frequentemente definem eleições apertadas.

Na administração da pandemia, a proporção é de 39% a 55%.

Biden tomou posse dizendo que “apenas 100 dias” de uso de máscaras acabariam com o vírus. É claro que ele, nem nenhum outro governante, pode ser culpado por novas variantes que encheram de novo os hospitais, mas a decepção do público é flagrante.

Biden também tinha prometido que não instauraria a vacinação obrigatória. Não cumpriu e baixou um decreto estabelecendo que as empresas com mais de 100 funcionários deveriam exigir atestado de vacinação. A natureza constitucional duvidosa do decreto foi confirmada com a decisão da Suprema Corte na semana passada de que o governo federal não tem autoridade para estabelecer esse tipo de exigência.

O maior interesse de Biden, para contrabalançar tantas notícias ruins, é destravar mais um pacotaço de trilhões de dólares em investimentos públicos. Só precisa convencer o senador Manchin de que a injeção de dinheiro não vai alimentar ainda mais a inflação e aumentar uma dívida insustentável. E a ala de esquerda a não bloquear concessões, que numa vida anterior – a vida à qual ele se acostumou quando era senador – faziam parte natural do processo.

A vida mudou e Biden está demorando a se adaptar. Na terça-feira passada fez um discurso raivoso, descompensado, comparando políticos republicanos aos piores racistas do passado e chamando adversários de “inimigos internos”. Recebeu críticas até de alguns democratas.

“Pena, raiva, decepção, constrangimento”, enumerou Maureen Dowd sobre os sentimentos que Biden tem provocado.

Despertar pena é praticamente uma sentença de morte para qualquer político.

O presidente pode virar o jogo? Não é impossível. Segundo uma das ironias correntes, ele conseguiu fazer “quatro anos em um”, no sentido de que atingiu um ponto muito baixo de aprovação logo no primeiro quarto do mandato, o que normalmente acontece lá pelo fim. Tendo chegado ao fundo do povo, só pode começar a sair dele. Ou ainda vai continuar cavando o buraco?

Ironicamente, Biden está empatado, na contagem do FiveThirtyEight, com Donald Trump. O ex-presidente tem 42,9% de aprovação contra 52,9% de desaprovação.

Eleito por não ser Donald Trump, Biden, por motivos diferentes, vai ficando parecido com ele.
 
BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

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