BLOG ORLANDO TAMBOSI
Assinada por algumas pessoas que conheço e até estimo, a carta aberta passa como um trator por cima de qualquer discussão e crava: o antropólogo e outros dois colunistas escreveram textos “racistas”. Ruy Goiaba para a Crusoé:
Bom dia, amigos da Crusoé.
Comportaram-se bem na minha ausência? Tive umas férias ótimas, mas a
reentrada na atmosfera do Bananão neste ano eleitoral já destruiu
completamente o efeito reconstituinte delas. Desse modo, estou
rigorosamente em dia com as prestações do meu mau humor e pronto para
transmitir essa irritação a vocês, queridos dois ou três leitores
restantes.
Dois
dias atrás, eu estava com o modo “velho nostálgico” — que odeio, mas às
vezes é inevitável — plenamente ligado e disposto a dar a este texto o
título “Proíbam a rinha de colunistas”, inspirado por aquilo que Jânio
Quadros, o breve, fez em mil novecentos e bolinha com as rinhas de galo.
Vocês sabem como funciona: colunista polemiquinho do jornal X publica
texto, outros colunistas rebatem em nome do “debate de ideias”,
indignados clicam, divulgam, formam torcidas em torno de uns e outros —
até todo mundo ficar de saco cheio e partir para a empolgante polêmica
seguinte. No mundo real, nada acontece, feijoada.
A
parte nostálgica é porque me lembro muito bem daquela época jurássica,
pré-internet, em que essas rinhas eram mais espaçadas — não todo santo
dia — e a baixaria sem nenhuma classe envolvia pessoas mais
interessantes que os atuais zé-manés com sei lá quantos seguidores no
Twitter e no Instagram. Uma espécie de “Quadrilha” de Drummond, mas com
Paulo Francis dizendo que Caio Túlio Costa tinha uma “cara ferrujosa de
lagartixa pré-histórica”; Caetano Veloso chamando Francis de “bicha
amarga” e “boneca travada” (e Millôr Fernandes, instado a comentar o
embate Francis x Caetano, dizendo que não se metia em “briga de
baianos”); José Guilherme Merquior descrevendo Caetano como
“pseudointelectual de miolo mole”. Ah, meus amigos, those were the days.
Mas aí apareceu a tal carta aberta de jornalistas da Folha contra o artigo de Antonio Risério publicado dias antes pela Ilustríssima.
Vou tentar ser o mais sucinto e o menos chato possível: achei fraco o
texto do antropólogo, principalmente pelo empilhamento de exemplos
anedóticos ocorridos nos EUA (em que medida eles valem para o Brasil?).
Mas não há racismo ali: ele reconhece já na primeira frase o racismo de
negros contra brancos, argumenta que esse não é o único vetor possível
do preconceito e diz que o movimento identitário, seu alvo, pode
estimular outras formas de racismo. É possível, e eu diria até saudável,
discordar disso o quanto se quiser: pelas contas da própria Folha, o
jornal publicou cerca de dez textos francamente contrários ao de
Risério.
Assinada
por algumas pessoas que conheço e até estimo, a carta aberta passa como
um trator por cima de qualquer discussão e crava: o antropólogo e
outros dois colunistas escreveram textos “racistas”, aos quais a Folha,
ou qualquer veículo que diga prezar a democracia, não deve dar guarida. É
um texto autoritário, mal escrito — inclui até um “vimos por meio
desta”, que me lembrou a reação de Graciliano Ramos sempre que ele
topava com um “outrossim” — e especialmente indecente na analogia que
tenta fazer com o negacionismo do Holocausto. Sem contar a alegação
orwelliana de que está defendendo o “pluralismo” ao exigir o exato
oposto, sua restrição. Opinião, por mais idiota, não é crime (e olha que
minha tolerância à burrice alheia é ínfima): admitam, amigos, que vocês
não gostam da livre expressão de quem discorda e andam cada um com seu
index prohibitorum no bolso. Não é bonito, mas é mais honesto.
Nisso,
com as redes sociais mais uma vez transformadas no inferno dos aldeões
com tochas, aparece outra carta aberta — desta vez, a favor de Risério e
contra o identitarismo. Pronto: o que era rinha de colunistas virou
coisa ainda pior, uma rinha de cartas abertas que provoca em qualquer
pessoa com um restinho de bom senso aquela vontade de se suicidar
rasgando a boca à la Didi Mocó. “Carta aberta”, com raríssimas exceções
das quais nem me lembro agora, não serve para coisa nenhuma a não ser
sinalizar para a sua turma que você está do lado do Bem. Racismo é
crime, que deve ser denunciado às autoridades competentes — mas acho
improvável que algum dos signatários da carta à Folha tenha se dedicado a
fazê-lo contra os colunistas acusados. Nada-acontece-feijoada do
mesmíssimo jeito, o Brasil segue sendo preconceituoso, desigual e
violento, mas você fez sua parte pedindo censura aos textos de três
zé-manés: parabéns.
No
meu despotismo esclarecido, a rinha de cartas abertas será substituída
por uma espécie de Banheira do Gugu compulsória: joga todos os
signatários desses troços numa megabanheira (pode ser no Maracanã, com
TV ao vivo) e quem conseguir pegar o sabonete vira o dono DEFINITIVO da
razão. Pensem nisso para quando, enfim, chegarmos à idiocracy e ninguém
mais no Brasil souber ler — a julgar pelo atual governo e pelas últimas
polêmicas, já estamos muito perto.
A GOIABICE DA SEMANA
O
BBB, que um querido amigo chama de “Shakespeare dos dias atuais” (de
sacanagem, mas nem tanto), está de volta. Nota-se o empenho da Globo em
incluir no reality show minorias como negros, gays e trans — mas não é
que já apareceu colunista reclamando de “gordofobia” porque o elenco da
edição 22 incluiu um gordo só (Tiago Abravanel, o neto de Silvio
Santos)? Nunca nada está bom para a Patrulha da Chatice: só espero que
me chamem quando a minoria contemplada incluir Lula, Vicentinho e Luís
Carlos do Raça Negra (com trilha sonora do saudoso Cazuza).
Línguas-soltas of the world, unite and take over.
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