Conhecimento científico, medicina, tecnologia, direitos humanos, tudo custa muito dinheiro. Luiz Felipe Pondé para a FSP:
Hoje, façamos um exercício de olhar filosófico neste novo ano.
Olharemos para três objetos de forma filosófica: a beleza, a sociedade
de mercado e a política. Esse tipo de olhar se diferencia do senso comum
porque carrega consigo um repertório maior do que o senso comum suporta
--dá trabalho montar esse repertório, afinal-- e, além disso, não busca
agradar ninguém. Querer agradar é para os fracos.
Imagine
um casal num restaurante num domingo no almoço. Uma mulher e um homem, a
quem você daria mais de 70 anos. Entretanto, você percebe que ambos
passaram por várias intervenções plásticas. Os rostos estão esticados, sintecados, inchados, enfim, deformados pela crescente e jovem ciência da beleza.
Na
mesa ao lado, outro senhor acompanha a cena e fala: "Por Zeus, por que
fazem isso?". Você coloca o Google Tradutor em ação e descobre que ele
falou em grego ático.
Enfim, seu celular acaba por lhe informar que essa pessoa é Platão (427-347 a.C.) em carne e osso. Emocionado, tem o impulso de levantar-se, ir até ele e pedir uma selfie.
Para
Platão, a beleza é uma forma perfeita, imaterial e eterna. A matéria
participa dessa beleza na forma da natureza e dos corpos. Portanto, o
que vemos no corpo de alguém que nos atrai é essa ideia plena da beleza
mesma.
Entretanto,
Platão nos adverte que o corpo, sendo matéria, não suporta a beleza
pura e eterna --porque a matéria, sendo imperfeita, degenera.
Sabemos
que para o grego a sabedoria está em buscar a beleza da alma, em mim e
nos outros, pois a alma é essa realidade em nós que habita o corpo --a
matéria-- e o mundo das ideias plenas, perfeitas e eternas, ao mesmo tempo.
O
que aquele senhor grego da mesa ao lado estava vendo, horrorizado, era a
tentativa vã de retermos a beleza num corpo que não suporta a
eternidade. Portanto, a beleza abandona o corpo.
O
que o Platão viu foi o ridículo --o oposto da beleza-- de um corpo em
degeneração que ignora o fato que, com os anos, o belo possível é o da
alma, que, aliás, se revela sempre mais permanente, apesar de difícil
acesso. Uma intervenção plástica qualquer sempre custa mais barato do
que qualquer forma consistente de sabedoria.
Discute-se
muito a sociedade de mercado --ou o capitalismo, como queira. Liberais
afobados correm a afirmar as evidentes vantagens do capitalismo no que
se refere à produção de riqueza em todos os sentidos.
Conhecimento científico, medicina, tecnologia, direitos humanos, tudo
custa muito recurso. Apesar da afobação dos liberais, eles não deixam de
ter razão nesse aspecto.
Entretanto, se convidássemos Adam Smith(1723-1790)
para um desses programas em que especialistas discutem economia e
similares, ele provavelmente destoaria de grande parte da discussão.
A
questão é que Smith traria aspectos que podemos chamar de morais quanto
ao desenvolvimento da riqueza e seu acúmulo. Simplificando, para Smith
há um risco moral no desenvolvimento das sociedades comerciais na medida
em que elas, no final do dia, se alimentam e alimentam sentimentos
morais duvidosos. Ganância, egoísmo, mentira, competição desenfreada.
Claro
que nada disso nega o que os liberais afobados afirmam. Entretanto, a
sociedade de mercado mente sistematicamente sobre essa realidade de
fundo, enquanto avança no estrago generalizado dos sentimentos morais
que dão sustentação à vida comum. O capitalismo organiza a vida moral
miserável, vestindo-a com salto alto para festas.
E a política? Se um jornalista especializado em política perguntasse a Nicolau Maquiavel
(1469-1527) o que ele pensa da política atual aqui e no mundo, ele
responderia em poucas palavras: toda política é sobre violência, não se
enganem. O político quer o poder e pronto.
Estando
na mesma coletiva, Alexis de Tocqueville (1805-1859) lembraria ao nosso
jornalista que os representantes sempre esquecem dos representados e
trabalham apenas para a sua própria classe.
Mesmo
aqueles que vendem a ideia de que fazem política para o nosso bem
sempre o fazem para eles e seus colegas de profissão, inclusive quando
eles estes são da oposição.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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