domingo, 2 de janeiro de 2022

A AUTOPROCLAMADA CORAGEM DO STF

 


A AUTOPROCLAMADA CORAGEM DO STF

Percival Puggina

 

Ao longo do último ano esta Suprema Corte e o Poder Judiciário como um todo também enfrentaram ameaças retóricas, que foram combatidas com a união e a coesão dos ministros; e ameaças reais, enfrentadas com posições firmes e decisões corajosas desta Corte. (Ministro Luiz Fux no encerramento do ano judiciário de 2021)

         Pus-me a pensar sobre o que faz a virtude cardeal da Coragem nesse discurso. Não existe coragem, onde não existe o medo. Entre outras características, o ato corajoso representa, necessariamente, uma vitória sobre o medo.  Segundo Aristóteles, o ato de coragem envolve a aplicação da razão, a busca do bem e a disposição de superar o perigo presente na ação.

Tão nobre virtude, faz lembrar, isto sim, a professora Heley Abreu Batista, que em 5 de outubro de 2017 morreu queimada ao salvar as crianças de uma creche em chamas no município mineiro de Janaúba. Coragem teve o sargento Sílvio Delmar Hollenbach, que em agosto de 1977 pulou para a morte ao salvar um menino que caíra no poço das ariranhas. Coragem demonstraram os jovens que correram para a própria tragédia ao entrarem na boate Kiss em chamas para resgatar amigos que lá estavam caídos, pisoteados pelos que conseguiam escapar. Coragem tiveram todos os europeus que esconderam ou deram fuga a judeus na Europa tomada pelos nazistas. Coragem teve o padre Kolbe (São Maximiliano Kolbe), que se ofereceu para morrer por um chefe de família no campo de concentração de Auschwitz. E por aí segue um livro de muitas e nobres páginas.

Não vejo onde inscrever nelas os acontecimentos de 2021 no âmbito do STF. Não vejo coragem – e menos ainda motivos para coragem autoatribuída – por parte e arte de quem libertou corruptos e os devolveu à política nacional, efetuou insólitas prisões políticas, fechou meios de comunicação, inspirou medo, impôs censura, reivindicou para si mesmo uma fé religiosa e inibiu liberdades.

Que espécie de medo terá sido superado por quem assim procedeu? Em que dobras desse tempo se ocultaram a razão e o bem?

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

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