A luta para chegar ao segundo turno passará, necessariamente, pela desmitologização do ex-juiz, que tenderá a crescer nas próximas pesquisas. Edgar Talevi de Oliveira para a Gazeta do Povo:
A
projeção nacional do ex-juiz Sergio Moro, por meio da Lava Jato,
reverbera no cenário político para 2022. Além de compor a jocosa
terceira via – cada vez mais moinante e pândega –, suscita no eleitor o
interesse pelo pensamento e ideais de Estado do agora ator político em
relação à agenda nacional, que inclui temas sensíveis à sociedade, em
sua maioria conservadora.
Comecemos
nosso olhar pela polarização Lula-Bolsonaro. Em um eventual embate
entre os dois pré-candidatos, o ex-presidente prevaleceria na
preferência do eleitor mais alinhado à ala progressista, de esquerda.
Muitos há que, saudosamente, relembram os programas sociais fecundos que
promoveram a ascensão de uma nova classe média no Brasil. Não obstante,
as inúmeras denúncias de corrupção, desde o escândalo do mensalão até o
suposto pilhamento da Petrobras, incidiram sobre a opinião dos
eleitores e, de certo modo, causaram torpor na utopia dos que creram no
desenvolvimento social, em que a justiça arrogaria a si o
aperfeiçoamento do sistema político nacional.
Entrementes,
Bolsonaro apregoou o antipetismo, valendo-se do desfazimento da imagem
do ex-presidente Lula junto a diversos setores da sociedade – culpa, em
parte, da tentativa de perpetuação do PT no poder –, e angariou votos
dos descontentes com os arroubos petistas. Viu-se uma nova direita (há
quem chame de extrema-direita) emergir e, com ela, um novo discurso
antipolítico. O toma-lá-dá-cá parecia fazer parte do passado, mas, aos
primeiros balbucios da palavra “impeachment” nos corredores do Congresso
Nacional, o Messias viu-se na necessidade de aliar-se aos partidos
fisiológicos do Centrão para manter-se vivo no poder. O pragmatismo
vencera mais uma vez. Isso tudo somado ao negacionismo de retóricas
pouco planejadas e ao bel-prazer de um temperamento sanguíneo do chefe
do Executivo. O mesmo jogo político de sustentação de poder, porém com
novas cartas, foi posto à mesa.
Surge,
neste contexto, uma via chamada de “terceira”, em que antigos partidos
políticos, tais como PDT, PSDB e Podemos (outrora PTN), tentam repaginar
sua própria história, lançando mão de renovados discursos políticos
para capitalizar o voto dos indecisos e descontentes com a polarização
atual. É aqui que se encontram nomes como Ciro Gomes (PDT), ex-candidato
à Presidência da República. Tentando desconstruir a imagem de Lula e
Bolsonaro, Ciro contratou o ex-mentor petista João Santana para
alavancar sua campanha. Mas, com a chegada de Moro, o cenário mudou
significativamente. A luta para chegar ao segundo turno passará,
necessariamente, pela desmitologização do ex-juiz, que tenderá a crescer
nas próximas pesquisas. Já há pesquisa que tira de Ciro o terceiro
lugar na corrida presidencial e dá a Moro o pódio. É bem provável que
Moro alcance dois dígitos de intenção de voto nas próximas pesquisas.
O
PSDB, com suas prévias vergonhosamente suspensas devido a falhas de
aplicativo, ainda não definiu seu nome ao Executivo nacional. Arthur
Virgílio, Eduardo Leite e João Doria disputam a preferência da legenda.
Tudo indica que haverá judicialização da eleição interna do partido.
Mas,
e quanto a Sergio Moro? Afinal, o que pensa o ex-juiz a respeito das
pautas da agenda nacional brasileira e quais suas reais chances de
chegar a um eventual segundo turno, seja contra Lula ou Bolsonaro (em um
cenário em que não esteja, evidentemente, um tucano)?
Projetado
nacionalmente pela Operação Lava Jato, insígnia de combate à corrupção
para alguns e de lawfare para outros (em especial o público petista),
Moro entrou no jogo de Brasília a partir do Ministério da Justiça de seu
ex-patrão Jair Messias Bolsonaro. Interferências na condução da PF,
sujeita ao seu ministério, provocaram o desligamento do ex-juiz do
governo e, neste momento, filiado ao Podemos, ele movimenta os
bastidores eleitorais para uma possível candidatura ao Planalto. É aqui
que surgem as dúvidas sobre seus ideias e posicionamentos em relação a
temas comportamentais e econômicos da agenda nacional.
No
tocante às drogas, em uma possível ofensiva progressista para
descriminalizar o uso das drogas culturais, Moro foi incisivo em
entrevista: propõe “proteger a família” contra as drogas que ameaçam
crianças, jovens e adultos. Acrescentou, ainda, que é necessário
incentivar a virtude e não o vício. Ao que parece, alinha-se ao
conservadorismo. Sobre uma questão fomentada com muito apreço pelo atual
presidente, a do o armamento, Moro se pronunciou, dizendo que as únicas
armas serão a verdade, a ciência e a justiça. Isso faz alusão a uma
visão menos conservadora – talvez menos extremista, a depender da
ideologia do eleitor –, mas que assegura uma forte contraposição ao
atual governo.
Em
uma live de agosto de 2020, Sergio Moro respondeu a uma questão direta
sobre alguns outros temas comportamentais. A esse respeito,
posicionou-se como conservador, citando seu próprio casamento e filhos.
Mas deixou claro que não são aceitáveis discursos de ódio contra
minorias, o que inclui os crimes contra opções sexuais. A pauta LGBTQIA+
nunca foi abordada diretamente por Moro, mas, em julho deste ano, o
ex-juiz parabenizou o governador do Rio Grande do Sul por ter revelado
sua homossexualidade.
Em
duas ocasiões (2002 e 2020), Moro se posicionou a respeito do sensível
tema do aborto. O ex-juiz deixou subentendido um positivismo jurídico em
sua forma de abordar a questão. Em sua tese de doutorado na UFPR, Moro
elogiou tecnicamente a decisão da Suprema Corte dos EUA que legalizou o
aborto nos três primeiros meses de gestação. Ademais, em live de 2020,
por ocasião do fatídico caso de uma vítima de estupro de apenas 10 anos,
em que a Justiça autorizou o aborto, Moro sinalizou pela aprovação da
interrupção da gravidez, nos termos da lei. No entanto, a esposa do
ex-juiz, Rosângela Moro, que manifesta a fé católica em seu perfil no
Instagram, manifestou opinião pró-vida e contrária ao aborto – Moro não
fornece muitas pistas sobre sua crença religiosa.
Ao
tratar de economia, o ex-juiz tem abordado a expressão “valores
cristãos”, a respeito de uma economia mais solidária. Foi além: evoca os
supracitados valores, compartilhados por outras religiões, para
extinguir as grandes desigualdades econômicas. Em temas relacionados à
segurança pública, Sergio Moro é contundente: posiciona-se a favor da
redução da maioridade penal para crimes gravíssimos de 18 para 16 anos.
Essa é, na verdade, um tema em que o atual presidente tem posição
semelhante à de seu ex-ministro.
O
que fica pairando no ar são as dúvidas quanto às chances de eleição do
ex-juiz. É na indecisão do PSDB, com seu racha interno, e na derrocada
de Ciro nas últimas pesquisas, inviabilizando seu nome na terceira via,
que Moro tende a crescer. A disputa pelos descontentes com o
negacionismo de Bolsonaro e pelos que rejeitam o ex-presidente Lula
aquece a expectativa de crescimento de Moro a ponto de se pensar em um
eventual segundo turno, seja contra Lula ou Bolsonaro. Dificilmente o
PSDB conseguirá alavancar seu pupilo, seja quem for, a uma disputa de
segundo turno. Isso se dará, em parte, pelo pensamento do voto útil, em
que o candidato mais favorecido nas pesquisas tenderá a manter-se firme
na disputa até o fim. Nisso, Moro terá força contundente.
Em
política, que não é uma ciência exata, é muito difícil “cravar” uma
aposta. Mas é possível vislumbrar uma disputa pelos despojos do PT e do
Messias. Aí entra Sergio Moro, com a continuidade da antipolítica, porém
mais arejada e menos poluída. Em 19 de novembro, em um evento fechado,
em São Paulo, Moro afirmou que seu desejo é “vender um sonho, um
projeto”. Será o suficiente para um segundo turno, ou uma eleição? A
conferir! Que comecem os jogos!
Edgar
Talevi de Oliveira é licenciado em Letras, pós-graduado em Linguística,
Neuropedagogia e Educação Especial, e bacharel e mestre em Teologia.
blog orlando tambosi
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