Os promotores do bem não dão conta de enxergar as consequências imprevistas de suas ações. Theodore Dalrymple para a revista Oeste:
A
ordem celestial, como dizem os chineses, foi removida do mundo
ocidental. Ou, como os gregos antigos teriam dito ao seu modo, os deuses
primeiro enlouquecem aqueles a quem querem destruir.
Uma
espécie de loucura ou desejo de autodestruição se instalou no mundo
ocidental, versátil em suas manifestações. Enquanto a China constrói
porta-aviões, o Ocidente demonstra sua determinação militar indicando
almirantes que mudaram de sexo. Enquanto a China abre minas de carvão
para usinas de energia, o Ocidente não consegue garantir que as luzes
vão continuar acesas durante o inverno que se aproxima. Mas, mesmo
assim, dentro em breve, vai autorizar apenas veículos elétricos. Muitos
milhões de veículos elétricos.
Por
trás dessa loucura, a população suspeita de corrupção, tanto moral
quanto financeira. Sem dúvida os políticos nunca foram exemplares em sua
conduta. Mas um desdém perigoso pela classe política se tornou muito
predominante. Perigoso porque, por mais que desprezemos os políticos, o
homem (como nos disse Aristóteles) é um animal político, e não
precisamos nem podemos funcionar sem eles. Com exceção da Suíça, talvez,
onde a população não sabe nem o nome do chefe de Estado, que é tão
irrelevante para eles quanto o nome da capital do Paraguai é para um
cavaleiro mongol.
Só
que, quando menosprezamos nossos políticos, logo expressamos um desejo
de uma figura providencial, uma espécie de salvador, que acaba nos
lembrando de que as situações podem ficar bem piores do que estavam. É
por isso que os chamados “não políticos”, ou figuras que posam como “não
políticos”, têm hoje maior visibilidade do que nunca nas democracias.
Sempre me lembro da resposta que um camponês peruano me deu quando
perguntei por que ele tinha votado em Fujimori na eleição que o levou ao
poder: “Porque não sei nada sobre ele”. (Na verdade, Fujimori de fato
melhorou as coisas. Ou talvez eu devesse dizer que as coisas melhoraram
quando ele estava no poder, uma vez que o Sendero Luminoso, o Khmer
Vermelho da América do Sul, foi destruído durante seu governo. Um feito
que na época foi de uma importância transcendente, mais importante do
que qualquer outra coisa.)
A
resposta do camponês peruano foi muito instrutiva, sugerindo de fato um
profundo pessimismo sobre a qualidade das pessoas que seguiram carreira
política no passado: qualquer um é melhor do que eles. Isso não é
verdade porque, com pouquíssimas exceções, sempre existe alguém pior.
Mas, mesmo assim, a atitude é compreensível.
O vento não sopra o tempo todo
Alguma
noção das coisas é muito necessária, tanto em questões pessoais quanto
políticas, porque sem noção as reações catastróficas se tornam
prováveis. Em meio à insatisfação, é difícil fazer isso. E estamos
sempre insatisfeitos, porque a insatisfação é uma condição permanente da
humanidade. Quer seja mais perigoso pensar que nada pode melhorar ou
que nada pode piorar é uma questão a ser debatida, provavelmente sem uma
conclusão definitiva. Algumas pessoas valorizam mais evitar o mal do
que promover o bem, e nenhum está sempre correto.
No
momento, promover o bem, ou o suposto bem, parece estar em ascendência.
Aliás, os promotores do bem estão tão encantados com a benevolência de
suas próprias intenções que não dão conta de enxergar as consequências
imprevistas de suas ações ou políticas: é provável que a própria ideia
de consequências imprevistas seja algo desconhecido para sua forma de
pensar.
Por
exemplo: na Europa, o interior foi salpicado com enormes turbinas de
vento. Quando os Savonarolas (uma referência ao padre italiano Girolamo
Savonarola, que viveu entre 1452 e 1498 e se tornou famoso por seus
sermões apocalíticos na cidade de Florença) da ecologia olham para elas,
não veem feiura nem destruição da beleza visual do campo. Eles tampouco
ouvem os rangidos. Também não pensam na morte cruel dos pássaros que
ficam presos nela. Na verdade, eles pensam e quase enxergam, ou acham
que enxergam, a suposta redução nas emissões de dióxido de carbono que
essas monstruosidades supostamente geram.
Quer
elas façam isso ou não, ou quer elas apenas transfiram o custo
ecológico para outro lugar (para a China, por exemplo, onde a maior
parte das turbinas eólicas é fabricada) sem dúvida é uma questão
complexa, que a maioria desses Savonarolas não considerou nem é capaz de
considerar — assim como, aliás, eu também não sou. Os Savonarolas estão
encantados com a pureza de suas próprias intenções.
De
toda forma, o vento não sopra o tempo todo, nem mesmo no Mar do Norte,
de modo que nenhum país pode contar totalmente com essas turbinas para o
seu fornecimento de energia. Alguma outra fonte precisa ser encontrada
para desempenhar a função de backup quando as turbinas eólicas estiverem
paradas.
Infelizmente,
todas as outras formas de gerar eletricidade, com exceção da energia
solar recaem sob a interdição ecológica. (O Sol não brilha sempre, e os
painéis solares também são produzidos na China, sem dúvida de forma
poluente). Dessas opções, o carvão é a pior. Mas o petróleo e o gás
natural são igualmente condenáveis. A geração de energia nuclear está
propensa a acidentes cujas consequências seriam incalculáveis. O
potencial da energia hidrelétrica é limitado em muitos países, além
disso, ela também tem efeitos ecológicos nocivos.
Assim,
parece que a única solução é abrir mão da eletricidade e da calefação
às pessoas comuns num país frio, ainda que as populações não fiquem
totalmente felizes nem agradecidas em não alimentar aparelhos
eletroeletrônicos, quanto mais congelar no escuro.
Enquanto
se restringe, a China — o maior gerador de poluição de todos os tipos
do mundo — explora seus interesses nacionais, sem dúvida se divertindo
com o espetáculo do Ocidente. E o Ocidente se torna cada vez mais
dependente dela em todas as suas formas de consumo, graças a uma espécie
de raciocínio louco e utópico, do tipo que as universidades há tempos
tentam infundir na juventude.
Quanto
aos veículos elétricos, não conheço ninguém que não acredite que sua
adoção no Ocidente seja resultado de um lobby político corrupto da
indústria, em vez de qualquer preocupação com o bem-estar do meio
ambiente ou com o clima (não que o fato de que não conhecer ninguém que
não acredite nisso seja evidência de que é verdade). Mesmo que essa
crença seja falsa, o potencial para uma grave instabilidade caso a
classe política insista que as pessoas relativamente pobres comprem
carros elétricos caros é bastante considerável. E então o governo chinês
poderá dizer, como já diz, que o modelo autoritário provou ser
amplamente superior à nossa democracia. E talvez a nossa população
comece a acreditar nisso.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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