BLOG ORLANDO TAMBOSI
Termo quase desconhecido vem à tona quando se analisa o histórico do atual conflito entre Rússia e Ucrânia. João Pereira Coutinho via FSP:
Amanhã
será o quarto sábado de novembro. O que significa que será altura de
relembrar o Holodomor. Escrevo essa palavra –Holodomor– e pressinto que
muitos leitores não sabem do que estou a falar.
Esse desconhecimento é revelador da forma ambígua como o mundo olha para os crimes do comunismo, sobretudo quando comparados com os crimes do nazismo.
Se eu tivesse escrito "Holocausto", não haveria dúvidas. Mas Holodomor, ou seja, a grande fome soviética promovida por Stálin em 1932-1933 e que provocou 4 milhões de mortes só na Ucrânia (estimativa conservadora), é conceito obscuro.
Para
preencher essa lacuna, recomendo um livro: "Red Famine", de Anne
Applebaum. Depois do clássico de Robert Conquest, "The Harvest of
Sorrow", publicado em 1986, a obra magistral de Applebaum é um monumento historiográfico contra o esquecimento.
Não
é uma experiência agradável, aviso já, porque a martirizada Ucrânica
sempre foi aquele elemento estranho na mundividência bolchevique —um
problema político, pela sua forte identidade nacional; uma oportunidade
econômica, por ser o celeiro da Europa.
E
a revolução precisava desse celeiro para alimentar as tropas do
Exército Vermelho, os membros do partido, os simpatizantes da causa.
Além disso, a exportação de grão para uma Europa faminta depois da Primeira Guerra Mundial também servia como arma preciosa para Lênin forçar os restantes países a reconhecerem o novo Estado soviético.
Quem
pagava a fatura dessa espoliação era o campesinato ucraniano. As
primeiras grandes fomes na Ucrânia acontecem entre 1921 e 1923 e o saldo
oscila entre os 250 mil e os 500 mil mortos.
Se
esses números nos parecem dantescos, eles empalidecem dez anos depois
quando Stálin promove a coletivização forçada da agricultura soviética.
"Coletivização"
é palavra demasiado branda para descrever um processo que implicava o
confisco da propriedade privada; a reinstituição da servidão "de fato"
para os trabalhadores do Estado; a eliminação quase completa de uma
classe artificialmente criada —os "kulaks", inicialmente camponeses mais
abastados, mas depois qualquer opositor do regime; e, finalmente, a punição pela fome.
Tal
como na década de 1920, era necessário cumprir cotas de produção cada
vez mais excessivas e irrealistas. E, quando a produção não correspondia
ao plano de Moscou, a "requisição" dos bens era o passo seguinte,
executada por hordas tão famintas como os próprios camponeses.
Para
agravar o problema, Stálin impediu o deslocamento regional dos
trabalhadores em busca de comida. Aprisionados à suas terras estéreis e
condenados à fome, tudo servia como alimento —ervas, raízes, cascas de
árvores. O canibalismo não foi uma raridade.
Ler
as páginas de Anne Applebaum com testemunhos de sobreviventes é das
experiências intelectuais mais duras que conheço. Mas ler a forma como a
"intelligentsia" ocidental ocultou esses crimes é igualmente
insuportável.
Um
desses "idiotas úteis" foi Walter Duranty, o correspondente do "New
York Times" em Moscou, que garantia em artigos de puro servilismo que a
fome era um mito. As suas reportagens, sem surpresa, ganharam o prêmio Pulitzer.
Nem
todos colaboraram com a mentira. A mais importante exceção foi Gareth
Jones, o jornalista galês que viajou para a Ucrânia em inícios da década
de 1930 para testemunhar o horror.
Também sem surpresa, não houve prémio Pulitzer para Jones. Mas existe um filme recente que relembra a sua vida e coragem: "A Sombra de Stálin", de Agnieszka Holland. Recomendo.
Era
William Faulkner quem afirmava: "O passado nunca está morto. Na
verdade, nem sequer passou". É uma frase que serve como uma luva para o
tempo presente.
Primeiro, porque os "idiotas úteis" continuam tão úteis (e tão idiotas) como sempre.
Mas também porque as autoridades ucranianas acreditam que a Rússia, em 2022, vai invadir o país em operação de larga escala. Verdade? Mentira?
Ninguém
sabe. Mas depois da anexação da Crimeia e com milhares de tropas russas
na fronteira ucraniana, é pelo menos verossímil. E a história só
reforça essa verossimilhança.
Como
disse Vladimir Putin, o fim da URSS foi "a maior catástrofe
geopolítica" do século 20. Razão pela qual o ano de 2022 tem um
simbolismo especial: passarão 100 anos sobre a constituição da União
Soviética.
Em política, nada é mais letal do que a força da nostalgia.
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