Ameaças de morte, insultos e assédio são algumas das reações de pais furiosos contra os conselhos escolares devido aos protocolos sanitários contra a covid-19 e os novos enfoques de igualdade racial e de transgênero no ensino das crianças. Antonia Laborde para o El País:
A guerra cultural travada atualmente nos Estados Unidos
tem uma nova frente: os conselhos escolares do ensino público. São
reuniões em que um punhado de moradores de um determinado bairro
discutem assuntos como o salário dos professores e os serviços de
limpeza. Há um ano, em diferentes cantos do país, eles se tornaram palco
de protestos, às vezes violentos, liderados por pais contrários à
“agenda política tóxica” que inclui o uso obrigatório de máscaras nas salas de aula, novos enfoques de equidade racial no ensino e políticas para a integração de pessoas transgênero.
Vários
membros dos conselhos escolares enfrentaram nos últimos meses ameaça de
morte e de estupro, insultos e assédio dentro e fora das reuniões, as
quais desde outubro, por ordem do Departamento de Justiça, são
monitoradas por agentes de segurança. Entre os próprios membros dos
conselhos se criam lados, e é comum ver uma metade usando máscara e a
outra não, para deixar claro a qual pertencem. Tamanho é o nível de
politização do debate que grupos conservadores e progressistas
desembolsaram grandes somas de dinheiro nas disputas dos conselhos, para
assegurar que sua posição obtenha a maior representatividade possível.
Neste
insólito cenário, vários políticos de direita se apropriaram da
mensagem dos “direitos dos pais” para tirar proveito eleitoral. Há
algumas semanas o republicano Glenn Youngkin se sagrou governador da Virgínia agitando a bandeira da “doutrinação esquerdista” nas salas de aula.
Foi a primeira vez em 12 anos que os democratas perderam este Estado
que havia sido decisivo no seu triunfo na eleição presidencial do ano
passado. Os republicanos descobriram uma fissura que cobre todo o mapa
nacional e enxergaram nos pais indignados um filão de votos para as
eleições legislativas de novembro de 2022, quando os conservadores
tentarão recuperar o controle da Câmara de Deputados e do Senado.
No
dia em que o engenheiro e professor universitário Sami Al-Abdrabbuh foi
reeleito membro do conselho escolar de Corvallis (Oregon), em maio, um
indivíduo foi até o seu bairro para avisar os moradores que iria
matá-lo. Esse mesmo dia, um cartaz de campanha do candidato apareceu
perfurado por várias balas em um campo de tiro. “Aquilo me perturbou”,
comenta Al-Abdrabbuh por telefone. O professor foi à polícia e, com
medo, alterou sua rotina de retorno para casa. Após relatar sua história
ao The New York Times, contando como gostava de participar da
comunidade escolar, mas que não queria “morrer por isso”, o assédio
aumentou, e ele decidiu instalar câmeras de segurança fora da sua casa.
Há pais que também afirmam ter recebido ameaças de morte, embora sejam
um grupo minoritário neste complexo panorama.
Al-Abdrabbuh
diz achar essas situações “muito estranhas”, porque normalmente “as
pessoas que estão em desacordo expõem isso civilizadamente”. Entretanto,
é ambiente que vem fermentando há algum tempo. Para começar, a decisão
de manter as escolas fechadas durante o segundo semestre de 2020 nas
localidades democratas – enquanto Trump pressionava para que as aulas
presenciais voltassem –indignou muitos pais. No final de 2020, eles
começaram a participar mais ativamente nos conselhos escolares para
pedir explicações sobre as medidas sanitárias e formaram grupos no
Facebook onde compartilhavam suas frustrações. A pressão de alguns nos
conselhos deram resultados, o que incentivou esses pais a se envolverem
mais, e as reuniões começaram a se prolongar até uma ou duas da manhã,
porque centenas deles pediam a palavra.
Além
disso, nos últimos anos, vários distritos –em sua maioria
progressistas– aprovaram regulamentações para proteger os direitos dos
alunos transgêneros e incluíram atividades para educar na “diversidade,
igualdade e inclusão” em questões de raça e gênero. Algumas dessas
iniciativas provocaram a rejeição dos conservadores de cada localidade,
que até agora não tinham unificado seu discurso. No entanto, no último
ano foram criados cerca de cem grupos de defesa do “direito dos pais”,
em que compartilham seus temores e irritações. Chegaram a rotular de
“marxistas”, “pedófilos” e “traidores” os membros dos conselhos
escolares que pensam de forma diferente, como pode ser visto nos vídeos
que viralizaram nas redes sociais.
A
Action 1776 é uma dessas novas organizações. Seu objetivo é
restabelecer a Comissão 1776, criada durante a Administração de Donald
Trump para promover uma “educação patriótica”. Joe Biden dissolveu-a em seu primeiro dia na Casa Branca.
A comissão foi uma resposta ao “Projeto 1619″ do The New York Times,
uma análise histórica de como a escravidão moldou as instituições
norte-americanas em todas as áreas para marcar o 400º aniversário da
chegada dos primeiros africanos escravizados aos EUA.
“Não
é correto dizer que os pais estão protestando contra o ensino destes
assuntos. São contra a promoção descarada de uma agenda ideológica
radical que vai contra seus valores e os valores sobre os quais esta
nação foi construída”, destaca Adam Waldeck, presidente da Action 1776.
Para ele, o que desencadeou essa batalha foi que, durante a pandemia, os pais puderam ver em casa o que estavam ensinando aos seus filhos e ficaram “horrorizados”.
Em distritos de estados conservadores como Texas, Kansas e Carolina do Sul, dezenas de biografias de personagens LGBTQIA+ foram temporariamente excluídas dos programas escolares, assim como exemplares de O conto da aia, de Margaret Atwood, e O olho mais azul, da Prêmio Nobel de Literatura Toni Morrison,
protagonista involuntária das eleições na Virgínia por causa da cruzada
do republicano contra sua literatura. “Acho que deveríamos jogar esses
livros no fogo”, afirmaram dois membros de um conselho escolar de
Spotsylvania (Virgínia), sobre exemplares com conteúdos ”sexualmente
explícitos”.
No
outono passado, Scott Mineo, um analista de segurança branco de 49
anos, fundou o grupo Pais contra a Teoria Crítica da Raça (PACT na sigla
em inglês), que combate a doutrina acadêmica de que a escravidão nos EUA é a origem do racismo sistêmico
ainda presente na sociedade. Não é ensinada nas escolas, mas no âmbito
universitário, porém, os colégios de todo o país, especialmente desde o assassinato de George Floyd
em maio de 2020, embarcaram em iniciativas para promover a justiça
racial, adotando medidas como maior contratação de pessoal etnicamente
mais diversificado, capacitação de professores sobre preconceitos
raciais e inclusão de livros de autores afro-americanos.
Mineo
–e as dezenas de milhares de seguidores desse tipo de grupo– acredita
que as escolas públicas estão ensinando às crianças que “os brancos são
implicitamente tendenciosos e inerentemente racistas, mesmo que não
percebam”. “Ninguém tem o direito de nos enfiar esse lixo goela abaixo e
nos dizer para acreditar nisso ou seremos cancelados. A discussão
honesta sobre o assunto é bem-vinda, a aceitação forçada não”, defende
Mineo. Al-Abdrabbuh diz compreender os pais indignados porque os
currículosde hoje são diferentes do que costumavam aprender. “Mas também
compreendo que têm de ser conscientes de que é inaceitável que a
educação pública seja para a comunidade ou para a raça privilegiada e
não para todas as culturas”.
Em
outubro, o Departamento de Justiça qualificou os acontecimentos dos
últimos meses como “um alarmante pico de assédios, intimidações e
ameaças de violência” contra membros de conselhos escolares. O
procurador-geral dos Estados Unidos, Merrick B. Garland, determinouque o
FBI e os procuradores federais trabalhassem com os policiais locais
para monitorar as ameaças contra as pessoas que trabalham nos 14.000
distritos escolares públicos do país. A Associação Nacional de Conselhos
Escolares comparou alguns dos incidentes com o terrorismo doméstico, embora tenham recuado depois que a mensagem desencadeou uma reação de alguns de seus membros.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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