Algumas atividades profissionais estão sendo extintas. Outras estão nascendo no berço da mudança. Dagomir Marquezi para a Oeste:
Coletores
de sanguessugas não existem mais. Operadores de linotipo ficaram sem
emprego. Acendedores de lampiões também. Ascensoristas tiveram de
procurar outra atividade. Telegrafistas tiveram de abandonar o Código
Morse.
Profissões
nascem, envelhecem e morrem. Para quem fica para trás, a perspectiva de
extinção parece uma inominável injustiça sem sentido, quase uma ofensa
pessoal. Alguns ainda tentam dar uma sobrevida a elas por meio de
medidas protecionistas. É inútil. Uma hora elas acabam, porque tudo na
vida tem de passar. Ficam o choro e o ranger de dentes. Chega um momento
em que até os operadores de guilhotinas têm de encontrar outra
ocupação.
Ascensorista |
Estamos
vivendo agora um momento especialmente transformador na história das
profissões. E a causa principal dessa metamorfose acelerada são, claro,
os avanços tecnológicos. A impressão é que todos nós seremos
substituídos mais cedo ou mais tarde por robôs e computadores.
Essa
impressão tem uma razão de ser. Com o avanço da inteligência artificial
e da internet das coisas, estamos perdendo espaço para aparelhos pela
simples razão que eles desempenham algumas funções melhor que nós.
Precisamos ter a humildade de reconhecer esse fato. E procurar entender
que as relações de trabalho estão cada vez mais complexas e
surpreendentes.
Veja
o caso da cadeia de restaurantes Sergio’s, na Flórida, um dos muitos
afetados pela epidemia de covid-19. A história foi contada pelo New York
Times. Quando, no início deste ano, o proprietário Carlos Gazitua soube
que poderia reabrir a rede, ficou eufórico. Mandou contratar por
atacado. Mas ninguém apareceu.
(Sinal
dos tempos: em maio aconteceu na mesma Florida uma grande feira de
empregos. Seus organizadores achavam que pessoas desesperadas por
trabalho iriam disputar lugares na fila. Mil empregos foram oferecidos
na feira. Quarenta funcionários ficaram encarregados de organizar a
fila. Apareceram apenas quatro candidatos.)
Telefonistas |
De
volta ao Sergio’s, Gazitua resolveu substituir os humanos que não
queriam trabalhar por robôs. Em julho, contratou os serviços da empresa
Servi, que aluga garçons automáticos por 999 dólares a unidade por mês
(incluindo manutenção).
Os
garçons Servi usam câmeras e sensores laser para levar os pedidos da
cozinha para as mesas, onde depositam os pratos, os copos e os talheres.
Robôs não se atrapalham, não ficam doentes, não pedem aumento nem
gorjeta e não reclamam quando precisam limpar os pratos. O New York
Times cita outra meia dúzia de empresas que está no ramo, como a Miso,
especializada em frituras. Ela usa inteligência artificial, sensores e
braços robóticos para fritar batatas e outros alimentos.
A lista da extinção
Vamos
colocar as coisas em perspectiva: os robôs não estão “roubando” os
empregos dos humanos. Em muitos casos, estão apenas substituindo os que
não querem mais prestar certos tipos de trabalho — como fritar batatas. E
estão realizando esse trabalho com muito mais competência.
Existem
dezenas de profissões que estão em processo de extinção. Boa parte
delas está sendo substituída por processos de automação. Um relatório da
empresa de consultoria McKinsey revelou, em 2017, que metade de todas
as atividades profissionais é tecnicamente possível de ser automatizada.
Aqui vai uma lista (selecionada de várias fontes) de ocupações humanas
que podem estar a caminho do fim. A inclusão aqui não significa uma pena
de morte, mas uma tendência lógica.
Agente de turismo —
A internet está cheia de aplicativos para quem quer planejar sua viagem
— Skyscanner, Trivago, Yelp, Trip Advisor, Expedia, Booking. É mais
simples, mais barato, às vezes de graça. Agentes de viagem presenciais
deverão se restringir cada vez mais a turistas de altíssimo nível, do
tipo que reserva castelos na Suíça e cruzeiros ao redor do mundo.
Caixa
— O dinheiro está cada vez mais abstrato. Cédulas de dinheiro estão
sendo ligadas mais a atividades ilegais ou caridade. Um dos símbolos
dessa situação são os cobradores de ônibus, sem muitas funções num meio
de transporte regulado por tíquetes e carteirinhas magnéticas. No início
de setembro, a Câmara Municipal de Porto Alegre colocou em votação um
projeto para extinguir a função de cobrador até 2026. Os partidos
conhecidos como a vanguarda do atraso — PT, PCdoB, Psol — tentaram
impedir a decisão com a truculência de sempre. Não adiantou. O projeto
foi aprovado por 22 votos a 11. Sem os cobradores, os custos do
transporte vão cair e, junto com os custos, cai o preço da passagem para
a população.
Atendimento bancário
— O número de agências bancárias no Brasil diminuiu 5,4% no ano
passado, segundo dados da Febraban, citados pelo jornal Valor. A queda
nos últimos cinco anos foi de 17,1%. As pessoas estão abrindo contas
bancárias de pijama, em casa, usando o celular. Sem filas, sem revista
na porta da agência, sem gerentes que foram almoçar e já voltam.
Funcionários de banco vão acabar? Não, mas deverão se limitar cada vez
mais a regiões afastadas dos centros e a casos específicos do mercado.
Motoristas, condutores, pilotos
— As maiores empresas do mundo estão desenvolvendo veículos
automáticos: carros, caminhões, ônibus, trens, metrôs, barcos e até
aviões. Mais cedo ou mais tarde, a maioria desses meios de transporte
estará sendo guiada por sistemas 5G e IOT (internet das coisas). Serão
mais eficientes e mais seguros. Ainda existirão motoristas, condutores e
pilotos humanos, mas em quantidade cada vez menor. A linha de metrô
mais moderna e eficiente de São Paulo — a Amarela — não precisa de
condutores.
Advogados —
Existem os advogados criminais, que precisam defender clientes num
tribunal. Mas existe também uma vasta rede de serviços advocatícios
(aconselhamentos jurídicos, confecção de contratos, etc.) que já está
virando aplicativo no celular. Você descreve o que precisa, o aplicativo
resolve por preços muito menores que uma consulta presencial.
Dublador
— Até agora dublar significa contratar um ator local para tentar
encaixar no ator original falas adaptadas. Tudo fica artificial e o
processo dura meses. Empresas como a Flawless estão mudando as regras do
jogo. A partir de agora, quando um ator como Harrison Ford terminar
mais um filme, ele vai gravar uns 15 minutos com sua voz para registrar
seu timbre. O sistema de inteligência artificial adapta automaticamente
essa mesma voz original a versões em francês, alemão, japonês,
português, mandarim, coreano, polonês e dezenas de línguas. E mais: a
boca do ator vai se mover como se falasse essas línguas todas. O tempo
de produção cai para semanas.
Bibliotecário
— A profissão carrega uma carga de romantismo idealista que não tem
mais o menor sentido. Bibliotecas tradicionais estão sendo substituídas
por sistemas digitais muito mais organizados, acessíveis e lógicos. Quem
insiste em manter essa cultura nostálgica não está lutando pela
divulgação da cultura, mas contra sua expansão. Toda cidade tem sua
grande biblioteca física, e ela vai precisar de bibliotecários. Mas
seria mais útil contratar profissionais de digitalização que cuidem do
scanner e salvem o maior número de obras antes que seja tarde demais.
Acendedor de lampiões |
Berço de profissões
Não
há fim para essa lista de profissões em declínio. A cada dia que passa,
as tarefas repetitivas decaem e mais ocupações tendem a sumir. O que
está ocorrendo é uma chamada espontânea para que as pessoas saiam da
acomodação de profissões tradicionais e se adaptem a um mundo em
profunda transformação. Que se lamentem menos e se preparem mais.
O
Centro para o Futuro do Trabalho, da empresa americana de consultoria
Cognizant Technology Solutions, levantou algumas novas possibilidades
profissionais que deverão surgir até 2028. Entre elas:
* Detetive de dados (analistas de big data)
*
Gestor de desenvolvimento de negócios de inteligência artificial
(projeção e implementação de soluções à base de IA para negócios)
* Walker/Talker (acompanhante de idosos à distância)
* Técnico de saúde assistida (para acompanhamento de idosos à distância)
*
Gerente de equipe humanos-máquina (profissional dedicado a coordenar e
incrementar a relação entre seres humanos e robôs numa empresa)
* Guia de loja virtual (atendente de varejo remoto trabalhando com realidade aumentada)
* Curador de memórias pessoais (reconstrutor de experiências passadas para clientes que perderam as suas lembranças).
Gandulas de boliche |
Toda
mudança é um desafio, e a mudança que estamos vivendo hoje no campo
profissional é épica. Essa transformação pode ser um atalho para que um
país como o Brasil finalmente se encontre. Novas profissões precisam ser
práticas, de alta performance e gerar serviços que os computadores não
conseguem executar.
O
que não pode acontecer é o medo. Ou aproveitamos esse vento de mudança
ou vamos passar o resto de nossas vidas defendendo o emprego de cobrador
de ônibus.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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