Nenhum presidente americano perdeu tantos pontos em tão pouco tempo em quase oitenta anos - e a chances de recuperação são discutíveis. Vilma Gryzinski:
Num
mundo em que o copo de Joe Biden está meio cheio, ele fecha um acordo
sobre o pacotaço de 3,5 trilhões de dólares ainda este mês, o
entupimento nas linhas de abastecimento logo é superado pelo engenho
humano, o preço da gasolina não vira caso para internação psiquiátrica, a
inflação volta a “níveis aceitáveis” em 2022 – palavra de Janet Yellen,
hoje secretária do Tesouro -, a pandemia reflui e a assombrosa máquina
da economia americana entrega seus frutos fabulosos.
Gradativamente,
ele recupera a popularidade, compensa os 11,3 pontos perdidos em nove
meses de governo – uma queda nunca vista desde 1945 -, fantasia-se com o
manto de novo Franklin Roosevelt e tudo melhora a tempo de esquentar as
máquinas para a campanha pela reeleição de 2024.
Com
o copo meio vazio, nada disso acontece. Ou acontece apenas
parcialmente, sem nunca recuperar os 56% de aprovação que ele teve nos
três primeiros meses de governo. Os 44,7% que tem atualmente viram
padrão – deixando-o na incômoda posição de presidente com índice mais
baixo de aprovação nessa altura de seu mandato, com exceção de Donald
Trump.
É
uma ironia que Biden, eleito com avassalador apoio de todas as elites
mais influentes como o homem que iria exorcizar os Estados Unidos da
odiada presença de Trump, hoje faça companhia a ele no limbo dos
presidentes impopulares.
Até
os programas humorísticos como o Saturday Night Live, que incineravam
Trump em sátiras destruidoras – a melhor de todas diabolicamente
encarnada por Alec Baldwin, hoje naufragado no trágico caso da diretora
de fotografia que matou acidentalmente -, estão começando a despertar
para o potencial de Biden como personagem a ser ridicularizado.
No
último programa, o presidente contracena com o personagem que era anos
atrás, quando “todo mundo gostava de mim” e “a imprensa me chamava de
tio Joe”.
O
político de gestos populistas e pose de galã da terceira idade, com
seus óculos escuros modelo aviador e uma imprensa majoritariamente não
só favorável como disposta a relevar qualquer possível “probleminha”,
foi desmontado tanto por fatos sobre os quais tinha pouco controle –
como a retomada da pandemia quando a coisa já parecia controlada –
quanto por desastres inteiramente fabricados por ele mesmo, como a
vexaminosa retirada do Afeganistão.
Para
sorte de Biden, o país deixou de ser notícia e sumiu do mapa. Mas em
seu lugar entraram assuntos movidos por correntes poderosas que afetam a
economia planetária, como os engasgos que a recuperação pós-pandemia
acelerou. O descompasso entre demanda e oferta criou os pesadelos
logísticos do momento.
Os
americanos estão com dinheiro no bolso, economizado durante a retração
pandêmica, e querem gastar. Em agosto, torraram o equivalente atualizado
a 15 trilhões de dólares. Se os produtos não chegam, é claro que se
instaura um clima de frustração – e um ambiente fértil para o aumento da
inflação.
Os
problemas logísticos coincidiram com dois fenômenos. Primeiro, um
presidente de 78 anos que passou descansando 106 dos seus 276 dias na
Casa Branca – um levantamento feito pela CNN. Justa ou injustamente,
passa a imagem de um presidente sem gana de trabalhar, principalmente
quando várias crises simultâneas estão bufando no pescoço da nação.
Outro
fenômeno: o secretário dos Transportes e ex-rival Pete Buttigieg
desapareceu no meio da crise logística. Em meados de outubro, soube-se
que ele estava em licença paternidade desde agosto.
Como
seus filhos gêmeos são de um casamento homossexual, os críticos
morderam os cotovelos o quanto deu, temendo que qualquer referência à
licença deixasse transparecer preconceito ou condenação moral. Mas o
fato é que um ministro ausente num momento vital e um presidente dado a
longos fins de semana criaram a imagem de um governo à deriva.
“Podem
falar o nome de qualquer crise e o presidente Biden e sua equipe não
têm a menor ideia de como resolvê-la”, escreveu o New York Post num
editorial – o jornal é um dos raros que criticam Biden sem restrições.
É
claro que são críticas do ponto de vista conservador, centradas
principalmente na guinada para a esquerda que Biden, um moderado
histórico, deu uma vez eleito, adotando como seu um programa
multitrilionário do qual “o verdadeiro autor é Bernie Sanders”, o
senador socialista.
Apesar
do discurso enrolado, dos escorregões verbais e da imagem de
descolamento da realidade que passa, Biden é um político com meio século
de experiência, capital que está empregando na tarefa de negociar com
dois senadores democratas, Joe Manchin e Kyrsten Sinema, as “pontes” que
faltam para a aprovação do pacote social de 3,5 trilhões – é claro que
toda a oposição republicana está fechada contra.
Manchin
e Sinema vão acabar concordando com o pacote, depois de arrancarem
concessões de Biden, inclusive a possível retirada do aumento de
impostos para empresas, um ponto de honra da esquerda democrata.
É
assim mesmo que funciona, como todo mundo sabe em Brasília. Muitos
pontos às vezes são incluídos em grandes projetos com o propósito
não-declarado de servir como peças a serem rifadas na hora da
negociação.
Joe
Biden vai cantar vitória quando convencer os senadores renitentes, com
razão. Mas a agenda progressista tem que ser ajustada ao mundo real.
Segundo uma pesquisa recente, apenas 37% dos americanos acham que o
governo e o Partido Democrata, obcecados por mudança climática e
questões raciais e de gênero, estão focados nos problemas que realmente
preocupam a população.
Não existe copo meio cheio que resista a isso.
blog orlando tambosi
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