O
problema do Dia da Marmota à brasileira, como vocês já devem ter
adivinhado, é que nossas ações não têm conseguido mudar o looping do
curso das coisas — do contrário, seríamos uma comédia romântica fofinha,
e não nosso Brasil brasileiro. Ruy Goiaba via Crusoé:
Ninguém
volta das férias impunemente: essa foi a primeira coisa que pensei ao
retornar ao Bananão pelo caminho mais feio do Ocidente, a marginal
Tietê, e ser recebido por lixo boiando no rio depois de uma noite de
chuva. Eu vinha do Baguetão, onde passei alguns dias ensolarados de
outono, e nada melhor que o esgotão do Tietê para dar logo um choque de
realidade e facilitar a reentrada na atmosfera: é diferente de chegar,
por exemplo, pelo Rio, onde as belas paisagens conseguem nos enganar por
aproximadamente cinco segundos.
E
isso nem é o pior, meus queridos dois ou três leitores: o pior é a
sensação de que estou — estamos — vivendo na versão brasileira do Dia da
Marmota. Está certo que foram só 15 dias, em vez dos cinco ou seis
meses em que eu poderia flanar por Oropa, França e Bahia se tivesse
nascido fidalgo (filho d’algo) e me mantido o mais longe possível da
faculdade de jornalismo; mas reencontrar o Brasil foi como se eu tivesse
tirado apenas uns 15 minutos de férias, e olhe lá.
Absolutamente tudo continua igual: Jair Bolsonaro falando as cretinices de sempre, Paulo Guedes dizendo que a economia agora vai, Davi Alcolumbre sentado em cima da sabatina de André Mendonça para o Supremo, votações no Congresso que tendem a piorar o que já é ruim, CPI da Covid
— OK, terminou, mas agora o relatório vai para as mãos de Augusto Aras e
Arthur Lira e eles farão, como de costume, exatamente nada —, a Covid
em si, Lula-lá, a terceira-via-que-não-decola etc. E o brasileiro sabe: a
única perspectiva de mudança é acontecer um desastre diferente, que nos
conduza a um looping de desgraças novas.
Falei
em Dia da Marmota e me dei conta de que talvez alguns leitores não
tenham visto Feitiço do Tempo. Na comédia, clássico da Sessão da Tarde,
Bill Murray é Phil Connors, repórter de TV rabugento obrigado a ir a
Punxsutawney, Pensilvânia, em 2 de fevereiro para cobrir as festividades
do Groundhog Day (título original do filme): se a marmota sair da toca
nesse dia e olhar a própria sombra, haverá mais seis meses de inverno.
Phil tem um dia péssimo, vai para a cama e acorda no mesmo 2 de
fevereiro, com os mesmíssimos acontecimentos se sucedendo — uma espécie
de “eterno retorno” nietzschiano, só que com a possibilidade de o
repórter alterar os eventos cotidianos por meio de suas ações.
O
problema do Dia da Marmota à brasileira, como vocês já devem ter
adivinhado, é que nossas ações não têm conseguido mudar o looping do
curso das coisas — do contrário, seríamos uma comédia romântica fofinha,
e não nosso Brasil brasileiro. Eu talvez devesse introduzir aqui uma
“nota otimista” sobre a capacidade do jornalismo de pressionar por
mudanças e tal, mas o fato é que, neste dia nublado, este jornalista
rabugento está vivendo intensamente a inveja da marmota: minha vontade é
me esconder num buraco e só voltar no próximo inverno. Só as marmotas
são felizes. (Aliás, em Feitiço do Tempo o repórter e a marmota têm o
mesmo nome, e a única vantagem clara do primeiro Phil sobre o segundo —
atenção, spoiler — é ficar com a Andie MacDowell no final.)
***
A GOIABICE DA SEMANA
O
Bananão continuou produzindo goiabices em abundância na minha ausência:
graças ao bom Deus, nisso o país nunca decepciona. Quero destacar
apenas duas: um post no Facebook da USP, minha alma mater, que falava em
coreanes, indianes, armênies e ÁRABUS — até agora não sei se foi erro
de digitação ou se o “gênero neutro” em “árabes” não era neutro o
suficiente — e um título genial da Folha, “Casos de racismo no futebol
caem em ano sem público nos estádios”. Meu Deus, quem poderia imaginar?
Será que sem torcida nos estádios as brigas de torcida também
diminuíram? Repórteres investigativos, mexam-se!
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