Colegas da União Europeia estão uivando de raiva, mas a primeira-ministra alemã segura o freio de sanções que podem abalar estruturas. Vilma Gryzinski:
As
longas cerimônias de despedidas parecem que não vão acabar nunca.
Angela Merkel está aproveitando bem o fim de seus dezesseis anos como
chefe do governo alemão.
Celebrada
como “bússola moral” e “monumento”, ela ouviu de Charles Michel, o
presidente do Conselho Europeu, num dos elogios mais extravagantes, que
sua “extrema sobriedade e simplicidade” eram uma “poderosa arma de
sedução”.
Por trás da torrente de elogios, muitos burocratas e líderes políticos estão loucos para ver a primeira-ministra pelas costas.
É
graças a ela que a União Europeia ainda não começou a aplicar multas na
Polônia, país que tem um governo de direita e faz muitas coisas que o
establishment europeu não gosta: não aprova casamento gay, não libera o
aborto, não aceita refugiados e, motivo do atual conflito, não aceita,
em virtude de uma decisão do Supremo Tribunal, que a legislação europeia
esteja acima da constituição polonesa.
Questões
de soberania nacional são altamente complicadas, pois a dinâmica
natural da União Europeia é cada vez mais se sobrepor aos países
membros, muitos dos quais continuam a gostar do conceito de estado-nação
e não querem se diluir numa entidade supranacional. Esse conflito sem
solução foi um dos motivos que levou uma pequena maioria dos britânicos a
votar pelo Brexit.
Angela
Merkel, que se tornou uma espécie de fiadora da União Europeia por
força natural do peso econômico da Alemanha e pelo respeito e a
autoridade conquistados por mérito próprio, acha que poderia ter havido
uma solução negociada que evitasse o Brexit.
Não quer ver os mesmos erros cometidos em relação à Polônia, embora as situações sejam bem diferentes.
A
Polônia tem muito menos autonomia do que a Grã-Bretanha, inclusive por
não ter mantido a moeda própria, como fizeram os britânicos com a libra.
É também o país mais beneficiado pelas verbas da União Europeia, tem 70
bilhões de euros a receber em créditos emergenciais da pandemia, 88% da
sua população é a favor de continuar na união e o governo se declara
“um membro fiel” do grande grupo.
Se não quer sair, vai ter que se curvar?
A
situação se complica aí. Se retroceder, e ainda por cima numa questão
envolvendo o Supremo e a iindependência nacional, uma questão
existencial na Polônia, o governo se desmoraliza. Se não retroceder,
incorre em punições pelo “desafio direto à unidade da ordem jurídica
europeia”, nas palavras de Ursula von der Leyen, a presidente da
Comissão Europeia. Emmanuel Macron, da França, e Mark Rutte, da Holanda,
querem que o castigo comece imediatamente.
Angela
Merkel defende mais negociações. Já discursou de forma muito eloquente
sobre a importância de manter a Polônia “no centro da Europa” – um jogo
de palavras, tanto pela posição geográfica do país, quanto por sua
história, tendo sido tantas vezes invadida e dividida entre as potências
vizinhas, Alemanha e Rússia.
A
Polônia na União Europeia é uma garantia de estabilidade e de proteção
contra o eterno clima de ameaça criado pela Rússia. Os próprios
poloneses entendem isso muito bem. Angela Merkel colocou o peso da
merecida estatura a favor de cabeças mais frias. Talvez tenha pesado um
pouquinho também o fato de que, nascida Angela Dorothea Kesner, ainda
tem a referência do nome ancestral polonês, Kazmierczak, da sua família
paterna.
“É imperativo fazer todo o possível para manter a Europa unida”, apelou ela.
Como está de partida, pode ser que, pela primeira vez, suas palavras não sejam levadas em conta.
Olaf
Scholz, seu substituto, do Partido Social Democrata, vai ter o maior
prazer em seu unir ao time dos cabeças quentes e ignorar a mulher sob
cuja sombra vai ter que mostrar capacidade de liderar a Alemanha e a
Europa.
Se
criar, mais uma vez, a impressão de que uma Alemanha que intimida a
Polônia não estará correspondendo à responsabilidade histórica que seu
país, querendo ou não, carrega.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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