Eurípedes Alcântara
O Globo
Stephen Breyer é juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos. Tem 83 anos. Ele pode ficar na sua cadeira até enquanto for capaz de exercer a função, pois, diferentemente do Brasil, onde um ministro do Supremo tem de se aposentar aos 75 anos, não o constrange o limite de idade. Breyer foi indicado pelo presidente Bill Clinton em 1994. É um liberal-democrata, um tipo de homem público em extinção nesta era de extremos iliberais populistas.
O livro que Breyer publicou nesta semana, “The authority of the Court and the peril of politics” (“A autoridade da Corte e o risco da política”), serve como legado e convite à reflexão sobre o papel da Corte constitucional de um país democrático.
POLITIZAÇÃO – O paralelo mais evidente com as perplexidades enfrentadas e as produzidas pela atuação do STF do Brasil é a reflexão de Breyer sobre a politização da Corte e o risco da perda de autoridade. Numa palestra recente na Universidade Harvard, Breyer resumiu seu maior temor atual:
— Uma questão que não me abandona é se o povo americano está nos vendo [juízes da Suprema Corte] como um grupo de políticos amadores.
Sua mais recente colega, a juíza Amy Coney Barrett, indicada por Donald Trump, foi ao ponto: “Meu maior objetivo hoje é convencer as pessoas de que a Suprema Corte não é composta de um bando de militantes fanáticos”.
MESMA PERCEPÇÃO – Com apenas 24% da confiança do público, segundo pesquisa Datafolha de agosto passado, é de supor que muitos brasileiros tenham do STF a mesma percepção que a juíza Barrett acha necessário desvanecer a respeito da Corte a que serve em Washington.
Como escreveu o sátiro romano Horácio, em expressão tornada célebre por Karl Marx, o livro de Breyer, guardadas as diferenças entre as duas Casas, serve para nossos ministros como um de te fabula narratur — o lembrete de que “essa história é sobre vocês”.
A lição central do livro de Breyer é tão óbvia quanto necessária. Ela se resume a constatar que a Política com P maiúsculo aumenta a autoridade das Cortes constitucionais, enquanto a politicagem sabota sua força e influência:
TIPOS DE VOTOS — “Ao votarem, alguns juízes enfatizam o texto constitucional e a História. Outros focam nos objetivos e consequências. Nem um lado nem outro está certo ou errado. O efeito prático do voto majoritário dependerá da disposição do público em respeitar a decisão”.
Fascinante o capítulo do ensaio do juiz Breyer sobre as crises entre os Poderes e quem deve ter a palavra final quando uma decisão da Suprema Corte conflita “seriamente” com as opiniões expressas por outros ramos da administração, em especial com o presidente da República. Parece estar se referindo ao contexto atual do Brasil. Mas a diferença é grande.
O juiz americano diz que a razão fundamental por que a Suprema Corte depende da disposição do público em respeitar a decisão está em não ter poderes operacionais. No Brasil, também não deveria ter. Como lembrou o ex-ministro Marco Aurélio Mello, ministros do STF não devem “coletar provas, formular acusações e fazer papel de polícia”.
COMPARAÇÃO – Essa é a diferença marcante entre a atuação recente do STF e a Suprema Corte dos Estados Unidos. Ela fica evidente nesta passagem do livro: “A Suprema Corte, à semelhança de qualquer outro tribunal, não tem meios próprios para fazer valer diretamente seus pontos de vista, sendo para isso dependente do Executivo”.
Nessa fraqueza, segundo Breyer, está a grande força da Suprema Corte dos Estados Unidos. Alexander Hamilton, no famoso Documento Federalista Número 78, previu que o Judiciário seria o mais fraco dos Poderes por não ter “nem a bolsa nem a espada”. Lembra Stephen Breyer que, justamente por não ter força efetiva para fazer valer as leis, o Judiciário se tornou o guardião do Estado de Direito, o poder brando que, ao fim e ao cabo, define o sucesso de uma nação.
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