quarta-feira, 29 de setembro de 2021

De joelhos aos pés de Guterres, ó vítimas da fome!

 



Para Guterres a única forma de garantir que nenhum comportamento ofende ninguém é, a cada momento, todos partilharmos o estado de espírito do ser humano mais miserável do planeta. Equidade na desgraça. Tiago Dores para o Observador:


“Guterres? Mas faz algum sentido principiar a crónica desta semana referindo António Guterres, tendo havido Eleições Autárquicas no passado domingo?” Solicito calma ao leitor, compreensível mas precipitadamente exaltado. Lá chegaremos às Autárquicas. E verá que a menção ao secretário-geral da ONU vem a propósito. Desde logo porque falar em Autárquicas e não recordar que foi após estas eleições, em 2001, que Guterres fugiu do pântano, seria como falar em Autárquicas e não recordar que foi após estas eleições, em 2001, que Guterres fugiu do pântano.

Ora, o que é que sucedeu, então, em termos de António Guterres? Sucedeu que o nosso ex-Primeiro-Ministro arrasou Jeff Bezos e Richard Branson. Na Assembleia Geral da ONU, e perante outros líderes mundiais, disse Guterres destes dois multimilionários: “Divertem-se no espaço enquanto milhões passam fome na Terra”. E sobre esta declaração, um tríptico de itens.

Primeiro item, até muito bem visto, mas algo rebuscado. Guterres denota falta de visão nesta sua crítica. Imaginem que há, não apenas vida, mas vida semelhante à vida humana, e com imensa larica, noutros planetas. Nesse cenário, estes multimilionários são, em verdade, não troçadores da miséria alheia, mas antes a melhor hipótese que estes eventuais extra-terrestres humanóides famélicos têm de ingerir uma alheira. Liofilizada, claro. Mas já bem bom. Nestas circunstâncias, as naves de Bezos e Branson seriam uma versão espacial daquelas furgonetas que andam pela cidade a distribuir alimentos aos sem-abrigo.

Segundo item, assaz pertinente, mas bastante óbvio. Admitindo que a diversão destes multimilionários tem potencial para provocar indignações, há que ver a coisa pelo lado positivo. É que, pelo menos, estes ricaços vão divertir-se para bem longe. Sim, porque acabam por levar a cabo as suas pândegas já para lá da estratosfera. Onde, além do mais, deve ser péssimo uma pessoa divertir-se. Por exemplo, não me parece que a gravidade zero permita bons moves quando toca a Macarena lá nos veículos espaciais do Bezos e do Branson. Imagino eu que toque a Macarena no auto-rádio daquelas naves. Que acho que deve ser a ideia de música entretida para o típico semi-velhinho-choninhas com posses para despender numa passeata daquelas.

Terceiro item, parco em comicidade, mas incontornável. Então e porque é que, havendo milhões que passam fome na Terra, apenas a diversão espacial merece reparo? Trata-se de clara discriminação de entretenimentos. Onde estava António Guterres quando, por exemplo, há escassos meses, um rapper, de seu nome Kodak Black, atirou, num vídeo que se tornou merecidamente viral, cem mil dólares ao mar? Não escutei o secretário-geral da ONU manifestar-se sobre tão divertida actividade. A não ser que Guterres tenha informação de que o Homem da Atlântida esteja a atravessar um momento difícil do ponto de vista financeiro. Nesse caso, aquela verba veio mesmo a calhar. Bom, mas o que interessa é que, levando a lógica guterrista às suas últimas consequências, perante os milhões que passam fome na Terra qualquer diversão é reprovável. E a única forma de garantir que nenhum comportamento ofende ninguém é, a cada momento, todos partilharmos o estado de espírito do ser humano mais miserável do planeta. “Equidade na desgraça”, eis o lema do secretário-geral da ONU. O PCP pode estar a desaparecer do panorama autárquico nacional, mas a utopia comunista, essa, terá sempre maioria absoluta na liderança das Nações Unidas.

E pronto, cá está a minha referência às Eleições Autárquicas. Mentira, não era só isto. É evidente que não ia olvidar o essencial deste acto eleitoral. Que é, como é óbvio, saber o que achou dos resultados destas eleições o Paddy. “Quem é o Paddy?” Como assim? Então, o Paddy que organiza a Web Summit, naturalmente. Aquele evento onde Primeiro-Ministro e Presidente da República do país que demora mais tempo a arranjar computadores aos alunos do que levou a inventar o computador, garantem que Portugal está tão na vanguarda da tecnologia que, embora dê mesmo a ideia de estarmos a fechar o pelotão, na verdade estamos é quase a dar uma volta de avanço aos outros. Por algum motivo, todos os jornais quiseram saber o que o Paddy achou do resultado das eleições em Lisboa. E disse o Paddy: “Fernando Medina (…) foi um excelente presidente da câmara”, e com Carlos Moedas “Lisboa (…) ficará bem servida no futuro”. O que foi refrescante. O Paddy dizer, de Medina e Moedas, que “é tudo a mesma maravilha”, quando o português típico diria que “é tudo a mesma m&%@#”.
 
BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

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