BLOG ORLANDO TAMBOSI
Disparates sem sentido do presidente fazem parte de seu projeto de matar para mandar. José Nêumanne para o Estadão:
“Tem
que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado.
Eu sei que custa caro. Aí tem um idiota: ‘Ah, tem que comprar é feijão’.
Cara, se você não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer
comprar”, disse o presidente da República, em 27 de agosto, para fãs que
se reúnem diariamente à espera da ocasião propícia para bajulá-lo.
É
comum atribuir suas patacoadas sem nexo a impulsos de insanidade. Muita
gente boa e lúcida propõe convocar uma junta de psiquiatras para
decretar a interdição de Jair Bolsonaro. Isso condiz a lógica, porque,
ao longo de sua vida de mau militar e parlamentar em ócio permanente,
ele nada produziu de útil.
De
farda, resumiu sua passagem pela caserna a reclamar de baixo soldo. Sob
acusação de terrorismo por ter planejado atentados à bomba em quartéis e
numa adutora do Guandu, como expôs o repórter Luiz Maklouf Carvalho no
primoroso livro O Cadete e o Capitão, foi convidado a cair fora da vida
militar, que resumiu numa frase dita em Porto Alegre em 2017: “Minha
especialidade é matar, não é curar ninguém”.
Em
30 anos de política, como vereador no Rio e deputado federal, sua
improdutividade parlamentar facilitou a narrativa com a qual venceu a
disputa pela Presidência em 2018: a de nunca ter sido um político de
verdade. De sua passagem pela Câmara deixou duas obras: uma é o projeto
da “pílula do câncer”, em parceria com o médico e sindicalista do PT
Arlindo Chinaglia, sancionada pela petista Dilma Rousseff, outra
personagem do folclore do absurdo infeliz. A segunda, o voto pelo
impeachment da ex-guerrilheira, em que saudou como herói o torturador e
assassino Brilhante Ustra, acusado de tê-la torturado. Em ambos os
casos, elegeu a covardia e uma aparente contradição. Neste caso, será
útil lembrar que cumpriu o que sempre quis na vida pública: amealhar
patrimônio pessoal, garantir a própria impunidade e deixar uma polpuda
herança para o pagador de impostos sustentar a própria prole. Os “rolos”
imobiliários do filho senador e do adolescente festeiro, de um
descaramento atroz para pagadores das contas da famiglia, são evidências
que talvez Nelson Rodrigues preferisse definir como “atordoantes”, em
vez de “ululantes”.
A
provocação à la Maria Antonieta do “não tem feijão, compre fuzil” é a
versão armada da dicotomia que engendrou no início da pandemia de
covid-19, ao opor à mortandade pelo novo coronavírus o primado da
economia sobre a vida. Em março de 2020, expondo-se sem máscara na
periferia de Brasília, ele disparava sua artilharia contra a ciência:
“Vamos enfrentar o vírus com a realidade. É a vida. Tomos nós iremos
morrer um dia”. Em fevereiro de 2021, previu o que mais parecia um
desejo oculto de quem cultua a morte: “Vamos conviver com o vírus a vida
toda”. Sobre mais de meio milhão de cadáveres empilhados à espera de
sepultamento saiu-se com algo ainda mais desumano: “Não sou coveiro”. E
era.
Por
mais severa que a realidade seja, ao superar sua retórica fúnebre, Sua
Insolência a tem enfrentado com a coerência do “contra os fatos há seus
argumentos”. Sua fidelidade aos caçadores, garimpeiros ilegais,
desmatadores de biomas e outros aliados não cede à transformação da
pitoresca hinterland brasileira numa encenação real de um longínquo
Oeste sem lei, como no começo da semana em Araçatuba, num assalto a mãos
armadíssimas com três vítimas de morte. Nem à apreensão de dez fuzis
escondidos no painel, no banco traseiro e nos pneus de estepe de um
carro na Via Dutra, em Guarulhos. A realidade é apenas uma “idiotice” a
mais na coerência de quem já foi contra o voto impresso fraudado. Em
1993, o então deputado federal de primeiro mandato Jair Bolsonaro (à
época no PPR-RJ) participou de um evento no Clube Militar, no Rio de
Janeiro, para definir estratégias para a “salvação do Brasil”. Na
ocasião, o capitão da reserva defendeu a informatização da apuração dos
votos. O oposto do que prega agora
No
texto O projeto de Bolsonaro é um projeto de família, no Globo, Carlos
Góes citou Filipe Campante, professor da Universidade Johns Hopkins, ao
explicar, com realismo, as contradições entre os desejos do eleitor e as
plataformas do chefão de nossa direita populista estupefaciente. “Tanto
no caso do distanciamento social quanto no caso do longo atraso na
compra das vacinas, o presidente teve posturas que se afastaram do
desejo da maioria da população. Essas posturas eram, contudo, populares
na sua base de apoiadores mais radicais. Embora reduza seu prestígio e
sua própria probabilidade de reeleição, essas sinalizações tornam sua
base mais fiel e podem garantir extração de renda futura para seus
próprios filhos. Não no topo da pirâmide política, mas no baixo clero –
espaço que a família ocupou por muito tempo. Mais do que um projeto de
poder ou um projeto de país, o objetivo racionalizável parece ser usar o
poder e o país para um projeto de família: uma nepocracia.”
Oscar
Wilde constatou que “a coerência é a virtude dos imbecis”. Talvez mais
do que louco, Bolsonaro seja coerente com seus planos. Portanto, basta!
Xô! Fora!
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