A
América Latina já teve caudilhos grandiosos até no ridículo, como
Antonio López de Santa Anna, onze vezes presidente do México no século
XIX, que promoveu o enterro oficial da perna perdida numa batalha com os
franceses e depois mandou exumar o membro pelo qual se tornou obcecado,
arrastando seu entorno em elaboradas e bizarras cerimônias fúnebres. Os
populistas atuais ficam só com a parte do ridículo, sem a
grandiosidade. De esquerda ou direita, unem-nos o pendor para operetas
orquestradas via Twitter e a propensão para distribuir recursos que não
são seus, mesmo quando os recursos acabam — restando sempre a
alternativa de rodar a maquininha. “Um populismo que fica sem dinheiro,
logo fica sem votos e no final fica sem povo”, escreveu no La Nación o
colunista Jorge Fernández Díaz, sintetizando o pavor que baixou nas
diversas alas peronistas depois de um fiasco bravo nas eleições
primárias para o Congresso. Por causa da bofetada das urnas, Cristina
Kirchner rodou o poncho e protagonizou um dos episódios mais patéticos
da política argentina: a humilhação pública e acachapante do presidente
Alberto Fernández. Tratado como um aluno malcomportado que precisava ser
colocado em seu devido lugar, o presidente, que deve o cargo a
Cristina, desistiu de encenar qualquer tipo de resistência, aceitou
todas as ordens da chefe e mudou os ministros exatamente da maneira como
ela havia tuitado numa carta aberta, para aumentar o fator humilhação.
Se Cristina mandasse, talvez faria o enterro da perna — metaforicamente,
claro. Tudo o que Fernández plantou na imprensa foi desmentido em
questão de horas pela realidade. Poderia ser enquadrado na definição
que, em contexto diferente, o eterno líder sindical Hugo Moyano deu
certa vez sobre sua grei: “Nós, peronistas, somos assim, um dia dizemos
uma coisa e no outro, outra”.
Em
El Salvador, o presidente millennial, Nayib Bukele, está ficando
notavelmente parecido com oligarcas encarquilhados do século passado.
Num capricho caudilhesco, ele decretou que o bitcoin seja adotado como
moeda nacional num país já dolarizado. Como 70% da população
salvadorenha não tem acesso a serviços bancários, é possível que a
adoção da criptomoeda se torne um “enterro da perna”, uma dessas
bizarrices que só acontecem em países latino-americanos e nos enchem de
vergonha alheia — ou vergonha própria. Nem o depósito equivalente a 30
dólares feito em nome de cada cidadão salvadorenho para promover as
transações em bitcoin está conseguindo vencer as resistências da
população, embora Bukele continue formidavelmente popular — 85% de
aprovação — e se dê ao luxo de ironizar as críticas: colocou no perfil
do Twitter como descrição biográfica “ditador de El Salvador”.
Em
comparação com as atrocidades cometidas no passado por tiranos
latino-americanos da estirpe de um Rafael Trujillo (mais 50 000 mortes)
na República Dominicana ou da dinastia Somoza na Nicarágua, os
populistas atuais, eleitos legitimamente, parecem personagens de novelas
tão ruins que parecem boas. Mas às vezes fica difícil decidir se gestos
obscenos feitos numa comitiva diplomática — repita-se, diplomática — em
Nova York são para rir, chorar ou ter saudade do general Santa Anna e
sua perna insepulta.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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