O clamor por responsabilidade e harmonia institucional é visto pelo Planalto como radical oposição aos planos do bolsonarismo. Editorial do Estadão:
Os
tempos atuais são tão esquisitos que um manifesto pedindo a pacificação
e a harmonia entre os Três Poderes foi encarado como ato de oposição ao
presidente da República. Aliado do governo federal, o presidente da
Câmara, Arthur Lira, pediu ao presidente da Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, que adiasse a divulgação do
documento para depois do 7 de Setembro.
Com
mais de 200 assinaturas, o manifesto nasceu da preocupação da Federação
Nacional dos Bancos (Febraban) com a situação do País. A Fiesp adiou
sua divulgação, mas outras vozes se levantaram.
Na
segunda-feira passada, entidades do agronegócio manifestaram-se em
defesa do Estado Democrático de Direito. “As entidades (...) tornam
pública sua preocupação com os atuais desafios à harmonia
político-institucional e, como consequência, à estabilidade econômica e
social em nosso País. (...) Em nome de nossos setores, cumprimos o dever
de nos juntar a muitas outras vozes responsáveis, em chamamento a que
nossas lideranças se mostrem à altura do Brasil e de sua história”, diz a
nota.
“O
voto de confiança foi dado, e a confiança não foi retribuída”, disse
Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio
(Abag), uma das entidades que endossaram o manifesto. “Talvez a gente
tenha sido condescendente por um tempo longo demais. A omissão não se
admite em tempos de pressão como agora”, disse Brito, em entrevista na
TV Cultura.
As
entidades do agronegócio disseram o óbvio. “O desenvolvimento econômico
e social do Brasil, para ser efetivo e sustentável, requer paz e
tranquilidade”, lê-se na nota. Infelizmente, no entanto, expressar o
óbvio tornou-se hoje ato de enfrentamento a Jair Bolsonaro, tal é o seu
comportamento conflituoso e irresponsável.
O
óbvio também foi dito por centrais sindicais. “São quase 15 milhões de
desempregados, seis milhões de desalentados, outros seis milhões de
inativos que precisam de um emprego e mais sete milhões ocupados de
forma precária. Inflação alta, carestia e fuga de investimentos. (...) O
próprio presidente se encarrega de pessoalmente gerar confrontos
diários, criando um clima de instabilidade e uma imagem de descrédito do
Brasil”, diz nota conjunta das centrais.
Tal
é a disfuncionalidade do Executivo federal – não cabe esperar nada de
Jair Bolsonaro –, que o prognóstico também se tornou consenso. “É
preciso que o Legislativo e o Judiciário em todos os níveis, os
governadores e prefeitos tomem à frente de decisões importantes em nome
do Estado Democrático de Direito, não apenas para conter os arroubos
autoritários do presidente, mas também que disponham sobre questões
urgentes como geração de empregos decentes, a necessidade de programas
sociais e o enfrentamento correto da crise sanitária”, disseram as
centrais sindicais.
Ainda
que em diferentes linguagens, os manifestos expressam a mesma
preocupação. Há uma grave crise política e institucional, que vem
causando profundos prejuízos sociais e econômicos ao País. E mesmo que o
Palácio do Planalto não seja citado, a simples menção à crise remete
diretamente a Jair Bolsonaro. Todos sabem a causa da crise.
Habitualmente,
a desestabilização e a desarmonia são objetivos da oposição. Ainda que
possa ser criticada, a tática é compreensível. Opositores tentam criar
dificuldades para que o governo não seja capaz de implementar suas
propostas, das quais a oposição discorda.
Com
Jair Bolsonaro na Presidência da República, a situação é a inversa. O
governo tenta criar constantemente arruaças, conflitos e instabilidades.
Bolsonaristas ameaçam dar um golpe de Estado. Em contraste, todo o
restante – desde entidades do agronegócio e instituições financeiras até
centrais sindicais – pede, em inusitado uníssono, paz e tranquilidade.
A
confirmar o despautério, o clamor por responsabilidade e harmonia
institucional é visto pelo Palácio do Planalto como radical oposição aos
planos do bolsonarismo. O alerta a Hamlet sobre a podridão na Dinamarca
teria aqui tons de inapropriado eufemismo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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