terça-feira, 31 de agosto de 2021

V Talibã: parece filme de Woody Allen, mas é o retrato do Afeganistão.

 



Invasão de estúdio de televisão por barbudos armados mostra a realidade do que deve ser esperado para um país sob domínio dos jihadistas. Vilma Gryzinski:


Uma única imagem conseguiu rivalizar, em impacto global, com o vídeo de moradores de Araçatuba amarrados em carros e usados como escudos humanos por assaltantes de banco.

São cenas de um estúdio de televisão invadido por oito talibãs mostrando o apresentador de um programa de debates dizendo, sob pressão, que os afegãos não devem ter medo do novo regime.

O nível de surrealismo, comparável ao da velha comédia de Woody Allen sobre uma republiqueta de bananas com guerrilheiros incrivelmente parecidos com os barbudos cubanos, é difícil de ser superado até pelos padrões alucinados que a queda de Cabul tem propiciado.

Por bons motivos, o vídeo viralizou, num sinal de que nem o controle absoluto que agora os talibãs têm sobre o país, incluindo as comunicações por celular, está imune a fotos e vídeos reveladores.

Detalhe importante: os invasores do estúdio de televisão tinham por objetivo tranquilizar a população, uma mensagem que está sendo repetida pelo “novo” Talibã, ou a versão 2.0 do movimento jihadista que resistiu durante vinte anos e retoma o poder sob o impacto da vexaminosa retirada americana.

“O presidente Biden deveria assistir o vídeo e dizer se os militantes posando atrás do apresentador visivelmente petrificado estão portando armas americanas”, provocou Masih Alinejad, jornalista iraniana com nacionalidade americana.

As armas não parecem diferentes do arsenal habitual dos talibãs, mas a jornalista tocou numa das muitas chagas deixadas pela retirada americana: a incrível quantidade de armamentos dados pelos Estados Unidos para as agora inexistentes forças armadas afegãs. Fora o que os últimos americanos no país deixaram para trás.

Tudo agora nas mãos dos talibãs, o que os transforma de guerrilheiros com arsenal tosco, compensando pelo engajamento na jihad, na décima-quinta maior força armada do planeta.

O botim inclui 75 mil veículos, indo desde o Humvee – o jipão de deslocamento rápido – uma verdadeira fortaleza móvel conhecida como MRAP – veículos resistentes a minas que valem 500 mil dólares cada um.

Mais: 200 aeronaves, incluindo helicópteros Black Hawk e uma frota Super Tucanos A-29, o avião de ataque fabricado pela Embraer – o Talibã vai precisar de pilotos e técnicos altamente treinados para manter tudo isso no ar, mas ganhou uma força estratégica simplesmente espetacular (outra possiblidade, é que transfira segredos tecnológicos para China, Rússia ou Irã em troca de vantagens).

Armas de assalto são 600 mil, incluindo fuzis M4 e M16. Mais 16 mil equipamentos de visão noturna, uma vantagem tática que os talibãs não tinham.

Assim que o último avião americano decolou, talibãs equipados com o que existe de melhor dos pés à cabeça – nesta, os monóculos de visão noturna por infravermelho, montado na frente do capacete (custo: 3.700 dólares cada) – assumiram o controle. Os guerrilheiros de chinelos ou tênis surrados ainda são a maioria, mas a coisa está mudando.

A quantidade e a qualidade dos armamentos fazem dos atuais talibãs uma força incomparavelmente mais bem equipada do que os militantes que tomaram o poder em 1996, quando o país estava totalmente destruído pela guerra civil e os armamentos soviéticos dados ao regime comunista derrubado poucos anos antes não eram mais renovados.

Como vai se comportar este Talibã triunfante, que montou uma saída humilhante para os americanos e agora não tem, nem remotamente, rivais à altura de seu poderio bélico e político? Quanto tempo vão durar as promessas de moderação, mesmo dentro dos padrões da sharia?

Pessoas comuns ou até personalidades como o apresentador do programa de televisão invadido já estão descobrindo e muito mais virá pela frente.
 
BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

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