O Brasil é o país onde muitos artistas que pregaram o discurso do “fica em casa” durante a pandemia foram aqueles que continuaram dando e frequentando festas, e que continuaram trabalhando em novelas. Lívia Abreu para o Instituto Liberal:
Hypokrinein
ou hypocrisía são os termos gregos que deram origem à palavra
hipocrisia – do latim hypocrisis – e significam inicialmente “separar
gradualmente”, “representar um papel” ou “fingir”.
Hipócritas
eram, na Grécia antiga, os atores e comediantes que, no teatro, durante
as apresentações, fingiam ser outras pessoas. Assim, o que eles faziam
no palco era uma hipocrisia, que significava “fingimento”. Há também
etimologistas e filólogos que ligam a origem da palavra ao termo grego
hypokrínomai, “diálogo”, estando ligado ao trabalho de interpretação de
uma peça.
Nesse
sentido, importante, ainda, destacar que o grego Hipócrates, conhecido
como “pai da medicina”, não tem nada a ver com a raiz etimológica que
deu origem ao termo.
Na
língua portuguesa, desde o surgimento do termo, no século XIV, a
palavra hipócrita já trazia em si ínsita a acepção que hoje conhecemos,
no sentido de pretensão ou fingimento de ser o que não é. Tal uso
consolidou-se com o padre e erudito São Jerônimo, que empregou o termo
para designar um tipo bem específico de ator: o devoto fingido, falso
bom cristão.
Assim,
atualmente, em sua acepção mais comum na língua portuguesa, hipocrisia é
o ato de fingir ter falsas ideias, sentimentos, crenças e virtudes. O
hipócrita, então, comumente exige dos outros que se comportem dentro de
certos parâmetros de conduta moral, quando ele mesmo não é capaz de
segui-los. Seria, portanto, a recusa de aplicar a nós mesmos os mesmos
valores que se aplicam a outros.
Hipocrisia
também pode ser usada para designar uma contradição, incoerência,
falsidade, ou mesmo um descompasso entre a fala e as atitudes dos
sujeitos – o famoso “faça o que eu digo, faça o que eu faço”.
Nesse
sentido, é de menos hipocrisia que o Brasil precisa, como primeiro
passo para se tornar um lugar melhor. Para melhorar, primeiro temos de
admitir nossas fraquezas, escancarar nossas facetas mais obscuras
enquanto sociedade, para, só assim, buscar corrigi-las.
O
Brasil é o país onde muitos artistas que pregaram o discurso do “fica
em casa” durante a pandemia foram aqueles que continuaram dando e
frequentando festas, e que continuaram trabalhando em novelas – tidas
como atividades essenciais, quando até os supermercados tinham trechos
isolados, porque só estavam autorizados a comercializar determinados
produtos.
É o país onde muitos parlamentares vestem (literalmente) a camisa da liberdade, enquanto votam contra a liberdade de expressão.
O
Brasil é o lugar onde a saúde é garantida a todos de graça, pelo
Sistema Único de Saúde. E o brasileiro paga em média R$ 1.400,00 anuais
pela manutenção deste sistema. É aqui o país em que todos são iguais
perante a lei, mas onde aqueles cidadãos que tentam pagar pela saúde
privada são penalizados, obrigando-se o plano a reembolsar o SUS, sempre
que seus clientes são atendidos na rede pública – e, por óbvio,
encarecendo ainda mais os planos de saúde, e dificultando-se o acesso à
saúde privada. É também aqui que faltam leitos para internações básicas,
faltam materiais básicos, como gazes e curativos nos hospitais, mas
onde o Estado é obrigado pela Justiça a arcar com tratamentos
milionários que beneficiam apenas uma pessoa, em detrimento de milhares.
Em
muitos lugares, falta saneamento básico, saúde e educação – mas o que
não falta é dinheiro para o “Fundão Eleitoral”. Faltam verbas para
investimentos básicos, mas os parlamentares explicam que os R$ 5,7
bilhões destinados ao financiamento das campanhas eleitorais – quase
três vezes o orçamento da cidade de Vitória/ES – são essenciais para a
defesa da democracia, que, da noite para o dia, se tornou o valor
prioritário a ser defendido no país. Nessa esteira, importante lembrar
que o Brasil é também o país onde os parlamentares brigam por questões
como a liberação do comércio da cannabis, mas se juntam para passar leis
como essa que garante mais verbas para o Fundo Eleitoral, contrariando a
vontade daqueles que os puseram ali e que pagam seus salários– os
eleitores.
Somos
o país em que, para atender aos cidadãos, os órgãos públicos em geral
só abrem na parte da tarde, os Correios só funcionam das 10 às 16h, mas a
Receita Federal, responsável pela arrecadação de tributos, funciona das
07 às 19h.
É
no Brasil que é possível ouvir, nas longas filas de atendimento nos
Correios, clientes gritarem “se assim já é ruim, imagina quando
privatizar”, quando essas mesmas pessoas dificilmente enfrentaram filas
tão longas ou atendimentos tão ruins em empresas privadas – porque isso é
o tipo de coisa que só permanece em uma empresa que exerce suas
atividades em regime de monopólio.
É
também aqui que as pessoas batem no peito para defender o proletariado e
criticam a mais-valia supostamente praticada pela Apple na produção de
seus telefones – e postam isso tudo em suas redes sociais, diretamente
de seus recém-comprados iPhones.
Enfim, eu poderia passar horas citando essas contradições do nosso país, pois são muitas, e estão em todos os lugares.
É
importante quebrarmos esse ciclo de falácias, que nos impedem de ver
claramente a realidade do nosso país e, assim, também buscar soluções.
Temos de admitir nossas falhas enquanto país, nossas deficiências como
indivíduos e como sociedade; de nos recolher à nossa insignificância, a
fim de, com muito trabalho, fazer a diferença.
Temos
de acabar com o discurso de “o Estado tem de”, de achar que merecemos
muito, sem nada fazer. Temos de produzir e fazer por merecer.
Deixemos a hipocrisia para os palcos, pois é somente encarando a realidade, tal como ela é, que podemos fazer algo para mudá-la.
*Artigo publicado originalmente no site do Instituto Líderes do Amanhã.
blog orlando tambosi
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