O Brasil responde por metade da produção mundial da fruta e garante mais de 75% do suco comercializado no planeta. Evaristo de Miranda via Oeste:
No
Brasil, a laranja não é cor de laranja, e sim verde. Ou amarela. Essa
contradição cromática envolve clima e genética. Para chegar à cor
laranja viva, tirando para o vermelho e não para o amarelo, como em
variedades da Espanha, Marrocos ou Estados Unidos, a fruta precisa de
variações de luz e temperaturas raras em climas tropicais.
Com
suas laranjas verdes e amarelas, o Brasil responde por metade da
produção mundial da fruta, seguido por China e EUA. O país garante mais
de 75% do suco comercializado no mundo. Movimentando bilhões de dólares,
o suco brasileiro chega amarelinho aos EUA, à União Europeia, Suíça,
Japão, Coreia do Sul e à China, lá na Ásia, onde a laranja volta às
origens.
As
variedades de citros são todas originárias da Ásia, como revelou o
sequenciamento de seu DNA. Elas surgiram de cruzamentos espontâneos
entre quatro espécies ancestrais (cidra, tangerina, toranja e papeda).
Os
primeiros citros chegaram à Europa durante a Idade Média pelas Cruzadas
e pelos árabes. Eram limões e laranjas amargas cultivadas no clima
mediterrânico. A palavra laranja vem do árabe nâranj, derivado de
nâranga, em sânscrito, e significa “veneno para elefantes”, referência
lendária a um elefante morto de tanto comer laranjas. Dizem.
A
laranja doce (Citrus cinensis), a mais conhecida e cultivada, chegou à
Europa graças aos portugueses e suas navegações para Índia e Ásia. A
laranja é chamada literalmente de “portuguesa” em vários países:
portokali em grego; portakal em turco; portocala em romeno e portogallo
com diferentes grafias em dialetos italianos.
No
Brasil, a laranja também chegou com os portugueses na década de 1530.
Era um recurso relevante (vitamina C) para evitar o escorbuto nas longas
navegações. As primeiras plantações foram feitas na Capitania de São
Vicente, litoral de São Paulo, e também no Nordeste. Bem mais tarde, a
laranja-baía foi reconhecida como maior e de melhor qualidade do que as
produzidas em Portugal. Começava a citricultura brasileira e o caminho
para o país se tornar o maior produtor e exportador, como ocorria em
paralelo com a cana-de-açúcar. A laranja é cultivada em todo o país. Há
uma laranjeira para cada brasileiro: um patrimônio genético de cerca de 2
mil tipos de laranjas, tangerinas e limões, e de mais de 210 milhões de
árvores.
São
Paulo garante 77% da produção nacional, seguido por Minas Gerais (6%),
Paraná (5%), Bahia (4%) e Rio Grande do Sul (2%). Em 30 anos, no
cinturão citrícola (São Paulo e Triângulo Mineiro), a área plantada
recuou 41%, de 631 mil hectares em 1988 para 376 mil em 2019. E a
produção cresceu 80%, graças ao uso de tecnologias. Em 2020, a produção
foi de 386 milhões de caixas em 347 municípios, contra 213 milhões em
1988. Devido ao clima desfavorável, a safra 2021 está estimada em 295
milhões de caixas. As geadas no norte do México e no Texas prejudicaram a
citricultura. A redução nos estoques lá fora e a quebra de safra lá e
cá manterão preços firmes na Bolsa de Nova York, compensando parte da
queda na produção. E, para cada 2,5 hectares de laranjais, os produtores
mantêm 1 hectare de vegetação nativa, conforme dados da Embrapa
Territorial e Fundecitrus.
A
laranja representa 35% do suco de frutas consumido no mundo. A quase
totalidade da produção é destinada à indústria de suco. Na década de
1980, a indústria do suco se estruturou e cresceu, graças à exportação.
Da laranja, além do suco, são extraídos óleos essenciais e líquidos
aromáticos. O bagaço, com alto teor energético, é um subproduto
industrial de grande valor econômico para a alimentação animal, em
especial, vacas de leite.
A
produção de laranjas sempre enfrentou grandes desafios. Entre as
décadas de 1930 e 1950, cerca de 20 milhões de árvores morreram em toda
América do Sul, devido à Tristeza dos Citros. A laranja azeda (Citrus
arantium), o porta-enxerto de todos os pomares, era muito suscetível ao
vírus responsável pela morte das plantas. Sem variabilidade genética, os
danos foram generalizados. Em 1955, Sylvio Moreira, agrônomo do
Instituto Agronômico de Campinas, propôs como porta-enxerto o limão
cravo (Citrus limonia), resistente ao vírus. A Tristeza deixou de ser um
grande problema. Doutor Sylvio recebeu o título de Arquiteto da
Citricultura Brasileira em 1964.
Atualmente,
o greening, causado pela bactéria Candidatus liberibacter, é um grande
desafio para a citricultura. Cerca de 50 milhões de plantas foram
eliminadas desde 2007. Mais de um quarto do parque citrícola paulista. O
greening devastou os pomares da Flórida. Os norte-americanos tentam,
sem sucesso, controlar a situação até com antibióticos, algo não
autorizado por aqui. A produção da Flórida, de 240 milhões de caixas,
caiu para 54 milhões. Ainda não há tecnologia para eliminar a bactéria
em plantas infectadas.
Plantas
transgênicas com resistência ao greening representam uma estratégia
promissora e ambientalmente sustentável para combater a doença. A edição
de genoma (CRISPR/Cas) busca “desligar” genes responsáveis pelos
sintomas, evitando perda de produção. Outras pesquisas tentam editar
genes para aumentar a produção de compostos voláteis repelentes do
Diaphorina citri, inseto transmissor do greening.
Os
pomares paulistas têm 55% de variedades tardias, 23% precoces e 22% de
meia-estação. Essa diversificação estende a colheita ao longo do ano,
evita concentrar a oferta em alguns meses e garante preços mais
adequados. Isso ajuda a reduzir a incidência de doenças, limita os
efeitos de variações climáticas e aumenta o período de processamento nas
indústrias de suco.
Cem
milhões de laranjas passam por mãos humanas na colheita. A citricultura
gera cerca de 200 mil empregos diretos e indiretos: um posto de
trabalho a cada 9 hectares. A cana-de-açúcar, por exemplo, demanda 80
hectares para gerar um emprego. E encerrou 2020 com destaque na geração
de novos empregos. Segundo o Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados, a atividade gerou 38.327 admissões em 2020. A laranja
respondeu por mais de 6% das 605 mil novas admissões na agricultura no
Brasil e mais de 10% em São Paulo.
Organizada
e competitiva, a citricultura é uma das mais destacadas agroindústrias
brasileiras. Para manter sua liderança, ela investe na adoção de
sistemas de produção sempre mais eficientes, em medidas para reduzir
custos, aperfeiçoar e ampliar a comercialização do produto.
A
eficiência da cadeia citrícola exige mudas e viveiros certificados,
plantio e cultivo tecnicizados, produção de suco e distribuição
internacional. Ela usa sistemas integrados a granel com
caminhões-tanques, terminais portuários e navios dedicados. Os produtos
citrícolas com dezenas de especificações e blends para variadas
aplicações chegam de forma adequada aos mais diversos consumidores dos
EUA, Europa e Ásia.
O
suco de laranja não está numa posição confortável no mercado. Ele tem
perdido espaço para novas bebidas, como isotônicos e energéticos. E, nos
sucos, outros sabores têm crescido no mercado, sobretudo misturas de
frutas, apesar de um pequeno aumento no consumo, devido à covid-19.
Segundo a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos, as
exportações de suco de laranja rendem entre US$ 1,5 bilhão e US$ 2
bilhões por ano. Em 50 anos, a citricultura trouxe cerca de US$ 60
bilhões ao Brasil.
No samba “Laranja Madura”
(1966), Ataulfo Alves diz: Laranja madura na beira de estrada está
bichada, Zé, ou tem marimbondo no pé. Algo vantajoso pode conter um
grave problema. A riqueza da citricultura é distribuída de forma muito
desigual entre empresas e milhares de propriedades rurais. O
relacionamento dos produtores com as indústrias é tenso e assimétrico.
Para
a Associação Brasileira de Citricultores, a riqueza da citricultura
concentrou-se num setor industrial oligopolista. Os citricultores buscam
resgatar a harmonia do setor e defendem seus direitos e interesses na
esfera administrativa e judicial diante de um possível cartel das
indústrias. Após duas décadas de embates no Brasil, começou na Justiça da Inglaterra um
processo com a acusação de formação de cartel no setor, movido por mais
de 1,5 mil produtores de laranja. E não é só para inglês ver.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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