Pão Diário, Curitiba — Em 31 de agosto de 1688 faleceu o historiador, poeta e pregador John Bunyan, autor dos clássicos O peregrino e A peregrina.
Mais de 300 anos após sua morte, as obras e palavras do renomado
escritor continuam a alcançar milhões de pessoas pelo mundo. Conheça a
história de John Bunyan e seja ainda mais impactado.
Quem foi John Bunyan?
John
Bunyan nasceu em novembro de 1628, em Elstow, um vilarejo a cerca de
1,5 quilômetro da cidade de Bedford. Seu pai, Thomas Bunyan, fabricava e
consertava panelas e chaleiras. Sua mãe, Margaret Bentley, provinha de
uma família mais abastada. John gostava de definir sua família com
estando “entre a multidão dos pobres lavradores”. Mesmo sem muitos
recursos financeiros, os pais de Bunyan o enviaram à escola. No entanto,
ele frequentou as aulas tempo suficiente para apenas aprender a ler e
escrever. Desde cedo aprendeu o ofício do pai e ajudou no sustento da
família.
John
passou três anos servindo como soldado na Guerra Civil Inglesa, muito
provavelmente apoiando os Parlamentaristas sendo liderado por Sir Samuel
Luke. Os anos passados nesse conflito influenciariam a escrita de
alguns episódios dos livros de Bunyan no futuro. Somente um soldado
experiente poderia escrever, com tanta riqueza de detalhes, as cenas de
algumas das lutas encontradas em O peregrino, por exemplo.
Pouco depois de ser dispensado do exército, casou-se com sua primeira esposa, entre 1647–48. Em sua autobiografia Graça abundante ao principal dos pecadores
(Editora Fiel, 2012), ele afirma que, quando se uniram, os dois eram
“tão pobres quanto os pobres devem ser, sem possuir muitos implementos
caseiros, além de um prato e uma colher, que compartilhávamos”. Apesar
de serem tão destituídos, a esposa de Bunyan trouxe consigo, como dote
de casamento, dois livros — uma extravagância para aqueles tempos: The Plain Man’s Pathway to Heaven (A Jornada do homem comum ao Céu) de Arthur Dent e The Practice of Piety
(A prática da piedade) de Lewis Bayly. Essas duas obras e o
comportamento cristão de sua esposa influenciaram Bunyan a um
despertamento espiritual. Tiveram quatro filhos, a primeira deles, Mary,
nasceu cega e era alvo de especial afeto de seu pai.
Sua conversão
Os
quatro anos seguintes foram de intenso conflito espiritual interior
para Bunyan: se, por um lado, sua carne almejava continuar na prática do
pecado, por outro, seu espírito, tocado pela graça divina, sentia o
peso da condenação e o desejo de salvação. Certo domingo à tarde,
enquanto jogava Tip Cat, uma voz do Céu lhe veio à mente, que dizia:
“Você abandonará seus pecados e irá ao Céu, ou continuará pecando e irá
ao inferno?”. Naquele momento, Bunyan não deu importância à profunda
inquietação que lhe sobreviera ao espírito. Mas, pouco depois, buscou
numa vida de legalismo a redenção de sua alma. Começou a frequentar a
igreja, mudou seu linguajar e a forma de se vestir. Contudo, quando
confrontado por um sermão sobre a observância do Dia do Senhor, Bunyan
decidiu voltar aos seus velhos hábitos.
Em Graça abundante,
conta como certa vez, enquanto passava pela rua, ouviu três ou quatro
senhoras conversando “sobre seu novo nascimento, a obra de Deus em seus
corações e a forma pela qual se convenceram de seu estado natural de
miséria. Falavam como Deus havia visitado sua alma com Seu amor em
Cristo Jesus e com que palavras e promessas foram renovadas, consoladas e
sustentadas contra as tentações diabólicas”. Essa conversa levou-o a
desprezar o pecado em sua natureza.
Em
1650, veio a conhecer o pastor puritano John Gifford em sua casa
paroquial na igreja de Saint John — então uma comunidade independente —,
em Bedford. Nesta ocasião, conversaram sobre a salvação e a verdadeira
mensagem de Jesus. No entanto, a rendição definitiva de Bunyan a Cristo
ocorreu um ano depois influenciado pela conversa das senhoras, com o
pastor Gifford e pela leitura de Comentário da epístola de São Paulo aos
Gálatas (Ed. Sinodal, 2017, vol. 10) que, depois da Bíblia, era seu
livro de referência. Neste mesmo ano, começou a frequentar essa
congregação em Bedford, embora permanecesse morando em Elstow. Tornou-se
membro e diácono em 1653.
O aprisionamento
Seu
talento para o ensino e pregação tornaram-se proeminentes, e ele
pregava tanto em sua igreja quanto em outras comunidades para onde era
convidado. Neste tempo, a Igreja do Estado, ou Anglicana, regulava toda a
atividade de pregação, qualquer grupo ou indivíduo que se lhe opusesse
era considerado ilegal e consequentemente perseguido.
Entre
1655–60, Bunyan envolveu-se em controvérsias com os Quakers. Os vários
panfletos e livretos que produziu durante este período, como resposta à
doutrina Quaker, fizeram despontar seu talento literário. O ano de 1658
foi o da morte de sua primeira esposa e do primeiro indiciamento de
Bunyan pela atividade ilegal de pregação sem a devida licença da Igreja
da Inglaterra, que acabou por não resultar em julgamento ou prisão. No
entanto, nem mesmo esses dois tristes fatos impediriam esse arauto
divino de permanecer pregando a Palavra de Deus com ousadia.
Em
1659, aos 31 anos, casou-se pela segunda vez com uma jovem que tinha
entre 17 e 18 anos, Elizabeth Bunyan, com quem teve mais dois filhos. Em
1660, a perseguição aos não-conformistas, ou puritanos, se acirrou. O
antigo Livro das Orações, promulgado no reinado de Edward VI (1547–53), foi reativado, e proibido qualquer culto que não seguisse essa liturgia.
Ao
saber que Bunyan estaria pregando no vilarejo de Lower Samsall, o juiz
Francis Wingate emitiu um mandado de prisão contra ele. Quando estava no
meio do sermão, a polícia adentrou o ambiente e o levou preso, onde
permaneceu aguardando seu julgamento. Seu indiciamento afirmava, mesmo
que não estivesse apoiado por testemunhas: “John Bunyan, da cidade de
Bedford, trabalhador, tem se abstido de forma diabólica e perniciosa de
vir à igreja para ouvir o culto divino e é defensor comum de várias
reuniões ilegais, que causam grande perturbação e distração dos bons
súditos deste reino, contrariamente às leis de nosso soberano senhor e
rei”. Ao pronunciar sua sentença, o juiz Keeling disse: “Ouça seu
julgamento: você será levado novamente à prisão, e por três meses
seguidos lá permanecerá.
Ao
final desses três meses, se não se submeter a ir à igreja ouvir o culto
divino, e a abandonar sua pregação, será banido do reino. Ou, se for
encontrado pregando de novo sem licença do rei, será enforcado por isso.
Digo-lhe sem rodeios. Carcereiro, leve-o!”. A resposta de Bunyan foi:
“Se me soltarem da prisão hoje, pregarei de novo amanhã, com a ajuda de
Deus!”. Foi condenado a 12 anos de encarceramento em 12 de novembro de
1660.
Sua
esposa apresentou-se diante de juízes de cortes superiores em Londres
em duas tentativas de apelação dessa sentença. Outros amigos também
intercederam por ele, porém foi tudo em vão.
Apesar
do cárcere em Bedford ser repugnante, o tratamento dispensado aos
prisioneiros era humanizado. De dentro da prisão, Bunyan participava na
fabricação de cadarços para sapatos, o que o ajudava no sustento da
família. Recebia visitas regulares, especialmente de sua filha cega, que
lhe trazia sopa para o jantar, e ele também podia, por vezes, sair da
prisão para visitar sua família e pregar. Em uma dessas ocasiões, um
sacerdote anglicano soube da saída de Bunyan e o delatou. Porém, neste
dia Bunyan sentiu-se espiritualmente incomodado a voltar antes da hora
marcada para o presídio. Quando o mensageiro chegou para verificar se
todos os prisioneiros estavam em suas celas e bem, a confirmação de que
Bunyan estava presente afastou a suspeita. Mais tarde o carcereiro lhe
disse: “Você pode sair quando quiser porque sabe melhor do que eu quando
deve retornar”.
Outra
liberdade que também lhe foi conferida foi a de ler, estudar e
escrever. Durante esse aprisionamento, Bunyan escreveu sua autobiografia
Graça abundante ao principal dos pecadores, que foi publicada em 1666. Entre seus livros favoritos, nesta fase de sua vida, estava O livro dos mártires, de John Fox.
Os últimos anos
Sua
soltura ocorreu em 1672, quando foi emitida a Declaração de Indulgência
pelo rei Charles II. Foi-lhe dada autorização para pregar na região de
Bedforshire com outros 25 ministros. Ficou, então, conhecido como o
“bispo Bunyan”, dando a entender que seria o líder entre todos eles. O
prédio da igreja de Saint John, onde, antes do encarceramento, Bunyan
frequentava e pregava, havia retornado à Igreja Anglicana, e a
congregação agora se reunia em um celeiro. A fama de Bunyan se espalhou,
e até em Londres era convidado a pregar, onde, segundo um registro, em
certa manhã gelada 1200 pessoas se reuniram para ouvi-lo. Foi um tempo
de descanso e prosperidade para esse provado servo de Deus.
Contudo,
em 1675 a atitude do governo para com os puritanos mudou e muitas
licenças para pregar foram revogadas, entre elas a de Bunyan. Em março
de 1676, após outra ordem de prisão, John Bunyan retornou ao cárcere
onde permaneceu por seis meses. A tradição diz, na falta de relatos
históricos precisos, que teria sido nesta ocasião que ele teria escrito
sua obra mais notável, O peregrino, publicado pela primeira vez em 1678.
Devido
à sua popularidade, Bunyan teria recebido um indulto real e depois
disso desfrutou de liberdade até o fim de sua vida. Sua influência
cresceu e seu ministério abrangeu pregações em quase todas as partes da
Inglaterra.
Em seus últimos anos de vida, ainda escreveu muitas e excelentes obras, entre as mais conhecidas estão: The Life and Death of Mr. Badman (Vida e morte do Sr. Maldoso, 1680), A Guerra Santa (1682), A peregrina (1684). John Bunyan escreveu um total de 61 obras entre panfletos, livretos e livros.
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