O Centrão tem a chave do cofre, do palácio e do destino de um candidato. William Waack para o Estadão:
A terceira via está aí: é Bolsonaro
como candidato do Centrão. Os caciques dessa massa amorfa fisiológica,
oportunista e que vive (desde sempre) mamando nas tetas do Estado jamais
tiveram tanto poder. Possuíam a chave do cofre desde as emendas do
relator. Agora obtiveram também a chave do palácio e um nome no qual
parte importante dos caciques partidários confia para manter o atual
continuísmo.
Bolsonaro
vai continuar vociferando impropriedades, estupidezes e bravatas para
manter seu núcleo duro de apoio (que diminuiu consideravelmente nos
últimos dois anos). É da natureza dele e fútil esperar qualquer
alteração – no máximo uma moderação de estilo dependendo do momento de
maior ou menor desequilíbrio pessoal. Trata-se de um irrecuperável
personagem político.
Para o Centrão não é Lula
que surge como peso “contrário” a ser oferecido contra Bolsonaro. Mas,
sim, um Bolsonaro domado, controlado e dedicado a atender as plateias do
clientelismo por meio do qual sobrevive o Centrão (entendido como as
forças políticas sempre próximas aos cofres e máquinas públicas). Em
outras palavras, a alternativa entre o Bolsonaro que se conhece e o Lula
que se conhece é o Bolsonaro do Centrão.
As
principais agendas de Bolsonaro – se é que existiram de forma
articulada – foram diluídas em pontos de interesse do Centrão. Uma das
mais destacadas, a política econômica de Guedes, que os mercados já não
ouvem (foi substituído pelo presidente do Banco Central), tem como eixo
central hoje montar programas assistenciais e emergenciais que atendem
,obviamente, a necessidades humanitárias – mas de natureza claramente
eleitoreira.
Com
o Centrão agora dono do palácio via Casa Civil, completou-se a
eliminação das três âncoras de Bolsonaro do começo do mandato –
anticorrupção, agenda econômica “liberal” e eficiência administrativa e
sentido estratégico através de oficiais-generais das Forças Armadas. É
importante notar que Bolsonaro contribuiu ele mesmo para derrotar,
dissolver e desmoralizar o que teriam sido “núcleos” de direção, e o
Centrão está aí para demonstrar, mais uma vez, que não existem vácuos de
poder em política.
A
bem-sucedida operação do Centrão em tomar espaço dos militares é
relevante também por evidenciar o blefe bolsonarista ao flertar com
golpe contra o STF e o TSE,
assumindo que o “mito” teria apoio de instâncias como o Alto Comando do
Exército. Em conversas entre si, mas também com interlocutores de fora
da instituição, oficiais em posições de comando referem-se a Bolsonaro
com desprezo intelectual, repulsa pessoal e não enxergam qualquer espaço
para um golpe – embora também reiterem fortíssimas críticas aos
integrantes do STF e ao desequilíbrio entre os poderes, deformação
atribuída por eles ao Judiciário.
Há
entre os principais comandantes uma noção difusa, mas que está ganhando
corpo, no sentido de reconhecer que o envolvimento em política teria
começado de forma meramente “pontual” (como bloquear ações do STF em
favor de Lula em 2018), mas, sob Bolsonaro, chegou ao ponto do
intolerável. Eles também (os comandantes) se ressentem da ausência de
“lideranças” entre seus quadros, uma qualidade que não reconhecem na
figura do general Braga Netto, o ministro da Defesa e seu “chefe” direto.
No
episódio da bravata de Braga Netto sobre impedir eleições, “note que
ele falou sozinho e, embora acompanhado dos três comandantes militares,
eles nada disseram”, ressalta um oficial que detém comando relevante.
Seja como for, outro “sentimento” (ainda difuso) entre o generalato é o
de que está chegando a hora de “lavar as mãos”, e considera-se vantajosa
nesse sentido a oportunidade oferecida pelo Centrão ao apadrinhar
Bolsonaro. “É ridículo general distribuindo verba para deputado
fisiológico”, arrematou a mesma fonte.
Até
aqui Bolsonaro desmentiu todos os cálculos políticos que apontavam para
o que seria “racionalmente” mais vantajoso para ele – nem governou, nem
juntou os elementos decisivos para qualquer tipo de golpe. Ou seja, é o
maior inimigo de si mesmo. Deve-se reconhecer que os profissionais da
política no Centrão são mestres em sobrevivência e a aposta em Bolsonaro
terceira via resulta de cálculo político frio, brutal e cínico. Mas é
arriscadíssima.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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